domingo, 31 de outubro de 2010

DIREITO DE ACRESCER: ART. 551 DO CÓDIGO CIVIL


DIREITO DE ACRESCER: ART. 551 DO CÓDIGO CIVIL

  
O DIREITO DE ACRESCER:
ART. 551 do Código Civil

João Pedro Lamana Paiva[1]

Conceito
O Direito de Acrescer é o pleno direito da integralidade da propriedade ao cônjuge sobrevivo de um bem doado aos cônjuges ou apenas a um deles (regime da comunhão universal), desde que o doador não haja fixado a parcela de cada um ou gravado com cláusula de incomunicabilidade.
Requisitos
Doação sem que o doador determine a parcela de cada um (art. 551, “caput” do CC).
Doação comum, ou seja, a ambos os cônjuges ou doação a um dos consortes casados pelo regime da comunhão universal de bens;
Morte de um dos donatários;
Portanto, estende-se o direito à integralidade da propriedade ao cônjuge, desde que:
As parcelas não tenham sido determinadas pelo doador;
Não tenha sido gravada com a cláusula de incomunicabilidade.
A doação tenha contemplado ambos, ou a um deles, quando o regime de bens seja da comunhão universal;
Se o regime for o da comunhão universal, ainda que a doação seja feita apenas para um dos consortes, o direito de acrescer subsiste na morte do donatário, ao cônjuge sobrevivo.

Doação conjuntiva – Donatário casado no regime de comunhão de bens – Falecimento – Subsistência integral daquela para a viúva – Averbação do fato mediante certidão de óbito – Inteligência do art. 1.178, parágrafo único, do CC e aplicação do art. 246 da Lei 6.015/73(hoje, o artigo do Código Civil/2002 é o 551).(Apelação Cível 441-0, São Paulo, apte.: Ministério Público, apda.: Maria de Oliveira Medeiros, 1981, RDI 2/98)

O Direito de Acrescer independe do regime de bens adotado no matrimônio pelos donatários, quando se trata de doação comum.
FRANCISCO REZENDE: “Para a aplicação de tal instituto, pouco importa o regime de bens adotado no casamento pelos donatários, pois o que se pretende preservar é a vontade do doador, e não a opção pelo regime de bens feita pelos cônjuges.” (REZENDE, BE2691, de 10 de outubro de 2006.)
Pablo Stolze: “a esse respeito já se posicionou o Superior Tribunal de Justiça, acertadamente, que a comunicabilidade do bem doado somente se verificará se o benefício tocou a ambos os cônjuges ou se tal extensão da liberalidade decorreu do regime de bens aplicável:” (Herance Filho, BE3165, de 17 de outubro de 2007.
ANTONIO HERANCE FILHO: Segundo o Autor, a consagração do direito de acrescer, quando o doador doou apenas para um dos cônjuges, no caso do regime da comunhão universal não é a melhor orientação, porque esta não foi a vontade do doador e, sendo doação um contrato deve ser interpretado pelos princípios contratuais.

O direito de acrescer na doação a marido e mulher é regra de exceção, portanto, deve ser interpretada de modo restritivo, razão que desautoriza o alargamento de sua aplicação. [2]

·        INCIDÊNCIA DO ARTIGO 114 DO CC.
Não sendo marido e mulherè O direito de acrescer deve estar expresso no contrato. [3]
·        As parcelas que compete aos consortes não podem estar determinadas.
·        Se o doador determinar, presume-se que este no ato de liberalidade, afastou o direito de acrescer.

EXEMPLO:
(...) como donatários A, B e C, distribuído da seguinte forma: ao A, caberá 40% do imóvel, ao B, 30% do imóvel e ao C, 30% do imóvel.
Nesse caso, não há aplicação do Direito de Acrescer.

Outro caso:
Doação feita por pessoa (casada pelo regime de comunhão universal de bens) doa metade de seus bens disponíveis a dois irmãos, destinando a cada um dos quinhões determinados na proporção de (50%) cinqüenta por cento.
Ambos os donatários eram casados.
Falece um dos donatários antes do doador ...
A quem cabe a quota de 50 %?
a.    A viúva do falecido?
b.    Ao irmão, proprietário dos outros 50 %?
c.     Aos herdeiros do de cujus?


A viúva?
Só caberá o direito de acrescer, se casada pelo regime da comunhão universal de bens.

Ao irmão?
Não há o direito de acrescer, pois o doador deixou seus bens disponíveis na proporção de 50% (cinqüenta por cento), determinando  a quota parte de cada um.
A resposta correta é:aos herdeiros

DIREITO DE ACRESCER E O REGISTRO DE IMÓVEIS
Assim, se há o direito de acrescer:
O bem em questão não deve ser inventariado, pois subsiste em sua integralidade ao consorte.
O cônjuge sobrevivo deverá requerer ao RI, a averbação do óbito de seu consorte na matrícula do imóvel, juntando certidão de óbito, bem como a guia de recolhimento, isenção, imunidade ou não-incidência passada pela Órgão Fazendário.
No fólio real, deve ser esclarecido que subsiste a integralidade do bem a Fulano(a) de Tal, viúvo(a), pelo instituo do Direito de Acrescer, nos termos do artigo 551, parágrafo único.

Washington de Barros:
“se os beneficiários são marido e mulher, a regra é o direito de acrescer; a doação subsiste, na totalidade, para o cônjuge sobrevivente (art. 551, parágrafo único). Trata-se de dispositivo cuja aplicação é freqüentemente olvidada, não sendo rarover-se, na prática, inventário e partilha do bem doado, quando, pela regra referida, este estaria excluído do acervo hereditário, por ter acrescido à do sobrevivente a quota do cônjuge falecido.”

Imposto de Transmissão (ITCD)

José Ribeiro, advogado, consultor jurídico da Anoreg do Paraná, em seu artigo “Aspectos práticos sobre a doação de imóvel”, entende que se incorpora ao patrimônio da pessoa sobrevivente a parte ideal, correspondente a 50% do bem imóvel, sendo, neste caso, devido o imposto de transmissão.
No caso, seria devido o ITCD, por ser uma aquisição não onerosa. Entretanto, desconheço legislação estadual que preveja para tal tipo a hipótese de incidência tributária. O direito de acrescer, assim, não é previsto em lei como fato gerador do imposto de transmissão. (Francisco Rezende, BE 2691).



Nesse sentido, a jurisprudência já se manifestou:

A doação ‘subsistirá’ – preceitua a lei – isto é, manter-se-á, conservará sua força, sem se cogitar de sucessão. A parte do cônjuge morto não se transmite ao sobrevivo, mas subsiste na integralidade.” (Apelação Cível 1.210-0, São José do Rio Preto, apte.: Isaura Maria Pires, apdo.: Oficial do 2° Cartório de Registro dc Imóveis, 1979, RT 559/109)

Se considerarmos que não há transferência, é afastada a incidência do ITCD.
RS, também não há previsão, podendo ser considerado caso de imunidade, isenção ou não-incidência.
Alerto que quem vai apreciar se há ou não ITCD é o Órgão Fazendário.
Antonio Herance Filho: O Direito de Acrescer, que por caracterizar a transmissão de bem, é conceito abstrato que encontra na legislação tributária classificação como hipótese de incidência. Com o falecimento de um dos dois cônjuges (donatários) ocorre o fato gerador do imposto incidente sobre a transmissão “causa mortis”, previsto no art. 155, inciso I, da Constituição Federal, cuja competência pertence aos Estados e ao Distrito Federal (...) É dever de o Registrador exigir o pagamento do imposto sobre a transmissão “causa mortis”, seja do(s) herdeiro(s), seja do cônjuge sobrevivo, conforme o caso, porque as duas formas de transmissão fazem surgir o fato gerador do imposto, salvo se a hipótese fizer parte de lista (taxativa) das isenções dadas pela legislação do Estado de situação do imóvel.
Segundo o mesmo autor, analisando a legislação paulista, na doação conjuntiva, sem parcela determinada, seria possível considerável separadamente cada parcela.
“O Estado de São Paulo, onde a legislação do imposto de transmissão por doação apresenta hipótese de isenção que leva em conta o valor da liberalidade em relação a cada donatário...ou seja, se o valor destinado a cada donatário for inferior ao limite fixado, ainda que o total do imóvel lhe seja superior, a regra de isenção poderá, sim, ser aplicada.



No RS, o Direito de Acrescer no usufruto tem previsão tributária:

NA DATA DA MORTE DE UM DOS USUFRUTUÁRIOS, NO CASO DE USUFRUTO SIMULTÂNEO EM QUE TENHA SIDO ESTIPULADO O DIREITO DE ACRESCER AO USUFRUTUÁRIO SOBREVIVENTE; (ACRESCENTADO PELO ART. 3º, I, "B", DA LEI 12.741, DE 05/07/07. (DOE 06/07/07)Art. 1.411, “in fine”, do Código Civil.

Caberia por analogia exigir o pagamento do ITCD no direito de acrescer do artigo 551?

A violação do direito de acrescer torna  o ato nulo ou anulável?

Francisco Rezende, entende que o ato é nulo, portanto:
a.    Viola ordem pública
b.    Pode ser argüido a qualquer tempo;
c.     Não produz efeitos;
d.    Não necessita de impugnação; é de apreciação oficiosa (não precisa ser alegada);
e.    Não convalesce com o tempo.
f.      Não podendo ser registrado;
g.    Para dar suporte jurídico a sua tese, compara a situação com a venda da integralidade do bem por apenas um dos condômino.

ANULÁVEL:
Leonardo Brandelli:
“Dado o caráter absolutório da origem judicial do título, os Cartórios de Registro de Imóveis não podem exigir aplicação do referido dispositivo ou mesmo negar a prática dos atos dele decorrentes(...) não cabe ao Oficial exigir que este ou aquele bem esteja excluído da partilha, assim como não pode exigir que outro seja nela incluído. Tais questões, presume-se, foram já examinadas no processo judicial de inventário. A discussão, portanto, deve ser colocada tão-somente em termos de registro.”



[1] Registrador e Tabelião de Protesto.
[2] Nesse sentido, Carlos Roberto Gonçalves.
[3] Nesse sentido, Agostinho Alvim E Antonio Herance Filho.

PAIVA, João Pedro Lamana. . DIREITO DE ACRESCER: ART. 551 DO CÓDIGO CIVIL. Serviços de Registros Públicos de Sapucaia do Sul, RS. 2010. Disponível em: http://www.lamanapaiva.com.br/mostra_novidades.php?id_novidades=99&id_noticias_area=1. Acesso em: 29 out. 2010


Postado Por Sancho Neto

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

A indisponibilidade de bens privados como ato de constrição judicial e seu acesso ao registro imobiliário Texto extraído do Jus Navigandi
http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9731

  Eduardo Pacheco Ribeiro de Souza
registrador e tabelião, titular do 2º Ofício de Teresópolis (RJ)


Sumário:1-Definição de indisponibilidade; 2- A legalidade da restrição; 3- Previsões de indisponibilidade; 4- O decreto judicial e seu acesso ao registro imobiliário; 5- Efeitos decorrentes da indisponibilidade; 6- Efeitos decorrentes da indisponibilidade judicial.

1- Definição de indisponibilidade.
            A propriedade plena confere ao seu titular o poder de usar, gozar e dispor da coisa, e reivindicá-la de quem injustamente a detenha. O direito de propriedade compreende, portanto, o uso, gozo e disposição da coisa: ius utendi, fruendi e abutendi. O poder de dispor representa a possibilidade de alienação da coisa, por qualquer de suas formas.
            O Código Civil de 2.002, assim como o de 1.916, dispõe que "o proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha" (art. 1.228, caput).
            O direito de dispor, no dizer de Caio Mário da Silva Pereira, "é a mais viva expressão dominial, pela maior largueza que espelha". [01]
            Não obstante atributo mais revelador do direito de propriedade, o poder de dispor pode sofrer restrições: legais, voluntárias, administrativas ou judiciais.
            As inalienabilidades decorrentes dos atos de vontade consistem na instituição do bem de família e na imposição da cláusula respectiva nos atos de liberalidade, por testamento ou doação (art. 1.911 do C.C.). O dispositivo legal citado estabelece que a inalienabilidade implica impenhorabilidade e incomunicabilidade, trazendo para a seara legislativa o que já estava assentado na jurisprudência, no verbete 49 da súmula do Supremo Tribunal Federal. A indisponibilidade decorrente de ato de liberalidade atinge, como se vê, tanto a disposição voluntária como a forçada.
            A instituição do bem de família acessa o fólio real por ato de registro em sentido estrito (art. 167, I, 1, da Lei 6.015), e a cláusula de inalienabilidade por ato de averbação (art. 167, II, 11, da Lei 6.015). Pode a inalienabilidade ser temporária ou vitalícia.
            A faculdade de dispor pode ser subtraída ainda por determinação legal, administrativa ou judicial; quanto a esta veremos a seguir discorrendo sobre o tema em debate, os atos de constrição judicial. Há discussões envolvendo o assunto, em especial quanto à possibilidade do magistrado decidir pela indisponibilidade sem amparo em específica previsão legal.
            Em apertada síntese, pode-se definir a indisponibilidade como a restrição ao poder de dispor da coisa, impedindo-se sua alienação ou oneração por qualquer forma. Poderá ser temporária ou vitalícia, quando se cuidar de inalienabilidade por atos de vontade. Sendo legal, administrativa ou judicial, será essencialmente provisória, por não constituir um fim em si mesma. Em qualquer caso, não será absoluta.
            Não obstante a inalienabilidade e a indisponibilidade signifiquem restrição ao poder de dispor da coisa, usualmente tem se utilizado o termo inalienabilidade para as restrições decorrentes de atos de vontade, enquanto o termo indisponibilidade tem sido usado para se referir às restrições impostas pela lei, ou em razão de atos administrativos ou jurisdicionais. Diferença relevante assenta na finalidade: enquanto nos atos de vontade o que se busca atingir com a restrição é a proteção do beneficiário da cláusula (daquele que fica impedido de dispor), nos demais atos o objetivo, em regra, é dar efetividade a decisões administrativas e jurisdicionais, em desfavor de quem tem alcançado seu poder de disposição.
            Apenas para ilustrar, pois estamos a tratar de bens particulares, registra-se que os bens públicos de uso comum do povo e os de uso especial são inalienáveis por disposição legal, enquanto conservarem a sua qualificação (art. 100 do C.C.). A alienação de bens públicos dominiais depende da observância de exigências legais (art. 101 do C.C.).

2- A legalidade da restrição judicial.
            Negar ao proprietário a possibilidade de dispor do bem, restringindo o exercício do direito de propriedade, caracteriza medida de exceção que deve ser utilizada com critério. Até mesmo quanto às restrições voluntárias o legislador inovou no Código Civil de 2.002, ao impedir que o testador estabeleça cláusula de inalienabilidade sobre os bens da legítima, salvo se houver justa causa (art. 1.848, caput) – a contrario sensu, não há proibição de imposição da cláusula quanto aos bens integrantes da metade disponível.
            A medida deve se restringir às hipóteses estritamente necessárias e não fere o direito de propriedade desde que aplicada com observância do devido processo legal. O exercício do direito de propriedade sofre restrições várias, como é sabido (de natureza urbanística, ambiental, por exemplo), especialmente porque a propriedade atenderá a sua função social (art. 5o, XXIII, da C.F.), não estando afastada a possibilidade de retirada, provisoriamente, da faculdade de disposição do bem.
            A leitura isolada do inciso XXII do art. 5o da Carta Magna pode levar à açodada conclusão de que o legislador constituinte garantiu direito de propriedade sem qualquer possibilidade de restrição.
            Mas dentre os demais incisos do próprio art. 5o encontramos elementos que apontam em sentido diverso. O inciso XXIII reza que a propriedade atenderá a sua função social; o XXIV possibilita a desapropriação; a alínea b do inciso XLVI permite à legislação infraconstitucional a adoção da pena de perda de bens; e o inciso LIV autoriza a privação dos bens desde que observado o devido processo legal.
            Considerando ainda que o inciso XXXV do referido art. 5o assegura o acesso ao Poder Judiciário para apreciação de lesão ou ameaça a direito, parece-me que o decreto de indisponibilidade de bens, generalizada ou individuada, não malfere a Constituição quando assegurado ao titular do direito o devido processo legal, com contraditório e ampla defesa. Saliente-se que o §4o do art. 37 do texto constitucional prevê indisponibilidade de bens em caso de improbidade administrativa.
            Acrescente-se que, se "pelo inadimplemento das obrigações respondem todos os bens do devedor" (art. 391 do C.C. – de semelhante teor o art. 591 do C.P.C.) e que, como preceituado pelo art. 75 da revogada lei substantiva civil, "a todo o direito corresponde uma ação, que o assegura", indispensável a existência de instrumentos para a efetivação das garantias jurídicas, dentre os quais podemos incluir as indisponibilidades de bens.
            Assim, interpretando sistematicamente a legislação vigente, entendo plenamente viável o decreto judicial de indisponibilidade, com acesso ao registro imobiliário, o que será objeto de tópico posterior.

3- Previsões de indisponibilidade.
            Há na legislação pátria diversas previsões de indisponibilidade de bens. Eber Zoehler Santa Helena [02], abordando o tema das indisponibilidades, afirma: "por outro lado, tais limitações encontraram terreno fértil no campo das normas de direito público, em uma plêiade de dispositivos esparsos e por vezes contraditórios, em regra como instrumento acessório de medidas assecuratórias da efetividade de decisões tanto na esfera administrativa quanto na jurisdicional, determinando a suspensão cautelar da disponibilidade dos bens...". O legislador tem criado freqüentemente novas hipóteses de ocorrência de restrição da disponibilidade, as quais relacionaremos em ordem cronológica:
            3.1- Lei 5.172, de 25/10/66 (Dispõe sobre o Sistema Tributário Nacional e institui normas gerais de direito tributário aplicáveis à União, Estados e Municípios) – A Lei Complementar 118, de 09/02/05, incluiu no Código Tributário Nacional o art. 185-A, de seguinte teor: "Na hipótese de o devedor tributário, devidamente citado, não pagar nem apresentar bens à penhora no prazo legal e não forem encontrados bens penhoráveis, o juiz determinará a indisponibilidade de seus bens e direitos, comunicando a decisão, preferencialmente por meio eletrônico, aos órgãos e entidades que promoverem registros de transferência de bens, especialmente ao registro público de imóveis e às autoridades supervisoras do mercado bancário e do mercado de capitais, a fim de que, no âmbito de suas atribuições, façam cumprir a ordem judicial". O §1º do referido dispositivo estabelece que a indisponibilidade limitar-se-á ao valor total exigível, devendo o juiz determinar o imediato levantamento da indisponibilidade dos bens ou valores que excederem esse limite. Impõe-se que haja decreto judicial e que, como medida de exceção, deva a indisponibilidade ser reduzida ao estritamente necessário.
            3.2- Lei 5.627, de 1o/12/70 (Dispõe sobre capitais mínimos para as Sociedades seguradoras e dá outras providências) – a previsão, in casu, é de indisponibilidade administrativa decorrente de decretação de regime de liquidação extrajudicial compulsória (parágrafo único do art. 2°: A indisponibilidade de que trata o presente artigo decorrerá do ato que declarar o regime da liquidação extrajudicial compulsória e atingirá todos aqueles que tenham exercido as funções nos 12 meses anteriores ao mesmo ato).
            3.3- Lei 5.869, de 11/01/73 (Institui o Código de Processo Civil) – a decisão judicial declaratória da insolvência civil tem como efeito tornar indisponíveis os bens do devedor, até a liquidação total da massa, nos termos do art. 752.
            3.4- Lei 6.024, de 13/03/74 (Dispõe sobre a intervenção e a liqüidação extrajudicial de instituições financeiras, e dá outras providências) – os arts. 36 a 38 da lei enfocada tratam da indisponibilidade de bens dos administradores das instituições financeiras em intervenção, em liqüidação extrajudicial ou em falência, decorrendo a indisponibilidade do ato que decretar a intervenção, a liqüidação extrajudicial ou a falência e atingindo todos que tenham exercido funções de administração nos doze meses anteriores ao ato, podendo a indisponibilidade ser estendida a outras pessoas na forma do §2o do art. 36. Em razão da indisponibilidade não se praticarão atos no registro imobiliário, nos termos do parágrafo único do art. 38.
            3.5- Constituição da República Federativa do Brasil, de 05/10/88 – Estabelece o art. 189: "Os beneficiários da distribuição de imóveis rurais pela reforma agrária receberão títulos de domínio ou de concessão de uso, inegociáveis pelo prazo de dez anos". Adotando o termo "inegociáveis" a Carta Magna restringiu a possibilidade de disposição da coisa temporariamente, pelo prazo de dez anos. Sendo inegociáveis, os bens não podem ser objeto de negócios jurídicos, ou seja, os titulares do domínio deles não podem dispor, ainda que por prazo determinado.
            3.6- Lei 8.112, de 11/12/90 (Dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais) – a aplicação de penalidade disciplinar tem como efeito, em alguns casos, provocar a indisponibilidade dos bens do servidor punido (Art. 136- "A demissão ou a destituição de  cargo em comissão, nos casos dos incisos IV, VIII, X e XI do art. 132, implica a indisponibilidade  dos bens  e o ressarcimento ao Erário, sem prejuízo da ação penal cabível").
            3.7- Lei 8.212, de 24/07/91 (Dispõe sobre a organização da Seguridade Social, institui o Plano de Custeio, e dá outras providências) – a lei em foco contém previsão de indisponibilidade de bens penhorados (§ 1º do art. 53). Os bens penhorados, em regra, não se tornam indisponíveis. As alienações são ineficazes em face da execução, por efeito do vínculo imposto sobre os bens pela penhora, mas não há indisponibilidade de bens. Na hipótese ventilada, criou a Lei 8.212 indisponibilidade legal dos bens penhorados em execução judicial da dívida ativa da União, suas autarquias e fundações públicas.
            3.8- Lei 8.397, de 06/01/92 (Institui medida cautelar fiscal e dá outras providências) – o art. 4o dispõe que a decretação da medida cautelar fiscal produz a indisponibilidade dos bens do requerido, de imediato, até o limite da satisfação da obrigação. A medida cautelar fiscal há de ser decretada judicialmente, nos termos do art. 5º.
            3.9- Lei 8.429, de 02/06/92 (Dispõe sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício do mandato, cargo, emprego ou função na administração pública direta, indireta ou fundacional e dá outras providências) – o art. 7o prevê a indisponibilidade dos bens do indiciado quando de ato de improbidade decorrer lesão ao patrimônio público ou enriquecimento ilícito, carecendo a medida de decisão judicial.
            3.10- Lei 8.443, de 16/07/92 (Dispõe sobre a Lei Orgânica do Tribunal de Contas da União e dá outras providências) – o art. 44 dispõe que no início ou no curso de  qualquer apuração, o Tribunal de  ofício ou a requerimento do Ministério Público, determinará, cautelarmente, o afastamento temporário do responsável, se existirem indícios suficientes de  que, prosseguindo no exercício de  suas funções, possa retardar ou dificultar a realização de  auditoria ou inspeção, causar novos danos ao Erário ou inviabilizar o seu ressarcimento, estabelecendo o § 2º que nas mesmas circunstâncias do caput poderá o Tribunal decretar, por prazo não superior a um ano, a indisponibilidade  de  bens  do responsável, tantos quantos considerados bastante para garantir o ressarcimento dos danos em apuração.
            3.11- Lei 9.637, de 15/05/98 (Dispõe sobre a qualificação de entidades como organizações sociais e a criação do Programa Nacional de Publicização, dentre outras providências) – o art. 10 prevê indisponibilidade, a ser decretada judicialmente (Art. 10- "Sem prejuízo da medida a que se refere o artigo anterior, quando assim exigir a gravidade dos fatos ou o interesse público, havendo indícios fundados de malversação de bens ou recursos de origem pública, os responsáveis pela fiscalização representarão ao Ministério Público, à Advocacia-Geral da União ou à Procuradoria da entidade para que requeira ao juízo competente a decretação da indisponibilidade dos bens da entidade e o seqüestro dos bens dos seus dirigentes, bem como de agente público ou terceiro, que possam ter enriquecido ilicitamente ou causado dano ao patrimônio público").
            3.12- Lei 9.656, de 03/06/98 (Dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde) – o art. 24-A prevê hipótese de indisponibilidade, nos termos seguintes:
            Art. 24- A – "Os administradores das operadoras de planos privados de assistência à saúde em regime de direção fiscal ou liqüidação extrajudicial, independentemente da natureza jurídica da operadora, ficarão com todos os seus bens indisponíveis, não podendo, por qualquer forma, direta ou indireta, aliená-los ou onerá-los, até apuração e liqüidação final de suas responsabilidades (artigo incluído pela MP nº2.177-44, de 24/08/2.001).
            § 1º A indisponibilidade prevista neste artigo decorre do ato que decretar a direção fiscal ou a liquidação extrajudicial e atinge a todos aqueles que tenham estado no exercício das funções nos doze meses anteriores ao mesmo ato. (Parágrafo incluído pela MP nº2.177-44, de 24/08/2.001).
            § 2º Na hipótese de regime de direção fiscal, a indisponibilidade de bens a que se refere o caput deste artigo poderá não alcançar os bens dos administradores, por deliberação expressa da Diretoria Colegiada da ANS." (Artigo incluído pela MP nº2.177-44, de 24/08/2.001).
            3.13- L. C. 109, de 29/05/01 (Dispõe sobre o Regime de Previdência Complementar e dá outras providências) – a indisponibilidade está prevista nos arts. 59 e 60 e decorre do ato que decreta a intervenção ou liquidação extrajudicial, atingindo os administradores, controladores e membros de conselhos estatutários das entidades de previdência complementar sob intervenção ou em liquidação extrajudicial que tenham estado no exercício das funções nos doze meses anteriores, ficando com todos os seus bens indisponíveis, não podendo, por qualquer forma, direta ou indireta, aliená-los ou onerá-los, até a apuração e liquidação final de suas responsabilidades.
             3.14- Lei 11.101, de 09/02/05 (Regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária) – os arts. 82, §2o; 103, caput; e 154, §5o, contêm previsão de indisponibilidade.
            Art. 82 - "A responsabilidade pessoal dos sócios de responsabilidade limitada, dos controladores e dos administradores da sociedade falida, estabelecida nas respectivas leis, será apurada no próprio juízo da falência, independentemente da realização do ativo e da prova da sua insuficiência para cobrir o passivo, observado o procedimento ordinário previsto no Código de Processo Civil.
            § 1º Prescreverá em 2 (dois) anos, contados do trânsito em julgado da sentença de encerramento da falência, a ação de responsabilização prevista no caput deste artigo.
            § 2º O juiz poderá, de ofício ou mediante requerimento das partes interessadas, ordenar a indisponibilidade de bens particulares dos réus, em quantidade compatível com o dano provocado, até o julgamento da ação de responsabilização."
            Art. 103 - "Desde a decretação da falência ou do seqüestro, o devedor perde o direito de administrar os seus bens ou deles dispor.
            Parágrafo único. O falido poderá, contudo, fiscalizar a administração da falência, requerer as providências necessárias para a conservação de seus direitos ou dos bens arrecadados e intervir nos processos em que a massa falida seja parte ou interessada, requerendo o que for de direito e interpondo os recursos cabíveis".
            Art. 154 (...) §5º - "A sentença que rejeitar as contas do administrador judicial fixará suas responsabilidades, poderá determinar a indisponibilidade ou o seqüestro de bens e servirá como título executivo para indenização da massa".
            A antiga Lei de Falências, Decreto-lei 7.661, de 21/06/45, revogada pela Lei 11.101, continha hipóteses de indisponibilidade nos arts. 12, §4o, e 40.
            Analisando as hipóteses de indisponibilidade, verifica-se que há uma tendência ao surgimento de permissivos à restrição da faculdade de disposição do direito de propriedade, em regra para proteção do interesse público (aqui incluídos os créditos tributários) e de instituições sociais. Com efeito, tais interesses devem preponderar sobre o interesse individual. Não obstante, a indisponibilidade deve se restringir ao que é necessário e pelo tempo necessário, medida gravosa e provisória que é.
            Constata-se ainda que há tantas previsões de indisponibilidade pela via administrativa quanto pela judicial, valendo ressaltar que, em qualquer caso, deve ser respeitado o devido processo legal e asseguradas a ampla defesa e o contraditório, garantias constitucionais quer para o processo judicial, quer para o administrativo (art. 5º, LIV e LV, da C.F.). Apesar de arroladas as hipóteses de indisponibilidade legal, administrativa e judicial, o presente estudo desenvolver-se-á com foco nas indisponibilidades judiciais.

4- O decreto judicial e seu acesso ao registro imobiliário.
            Prevê o art. 247 da Lei 6.015 que "averbar-se-á, também, na matrícula, a declaração de indisponibilidade de bens, na forma prevista na lei". Embasados em tal dispositivo, devem os registradores averbar a indisponibilidade, seja decorrente de ato administrativo, seja judicial. A ordem judicial pode ser expedida quando houver expressa previsão legal de indisponibilidade ou no exercício pelo magistrado do poder geral de cautela. Averbada a indisponibilidade, alcançar-se-á a desejada publicidade gerando segurança jurídica. Constará das certidões, a partir da averbação, a notícia da restrição ao poder de dispor.
            Havendo previsão legal específica parece não haver grande discussão quanto à possibilidade de determinação de indisponibilidade. Contudo, inexistindo previsão específica, há alguma controvérsia. Vejo cabível a determinação com amparo nos arts. 798 e 799 do Código de Processo Civil, assim como no § 5º do art. 84 do Código de Defesa do Consumidor. Ao juiz, no exercício do poder geral de cautela é facultada a concessão de medida cautelar inominada quando não existe dispositivo legal específico para conter eventual lesão grave e de difícil reparação. Por vezes, ausentes os requisitos para a determinação de arresto ou seqüestro, medidas cautelares específicas, a determinação de indisponibilidade garantirá a efetividade do processo. Cuidando-se de medida excepcional, ao magistrado cabe verificar se presentes os pressupostos para concessão das medidas cautelares e decidir de acordo com o seu prudente arbítrio.
            A atribuição ao magistrado do poder geral de cautela é, no dizer de Galeno Lacerda [03], "a mais importante e delicada de quantas confiadas à magistratura". Nosso sistema, ainda segundo o autor, se filiou ao grupo que regulamenta medidas cautelares específicas e prevê o poder genérico. Ora, se previsão legal há para o poder geral, ao magistrado cabe, exercendo relevante atribuição com ponderação e prudência, ordenar as providências cautelares inominadas quando presentes o fumus boni iuris e o periculum in mora. Dentre elas a proibição de alienar ou onerar bens, a indisponibilidade.
            Humberto Theodoro Júnior [04] afirma que "outra medida atípica compreendida no âmbito do poder geral de cautela é a proibição de dispor. Trata-se de medida menor que o seqüestro e do que o arresto porque não exige a perda da posse da coisa, dispensando o depósito". Continua o mestre mineiro para dizer que "se a proibição de dispor referir-se a imóveis é de toda conveniência sua inscrição no Registro Imobiliário, para a competente publicidade frente a terceiros". Em verdade, é absolutamente indispensável o averbamento da indisponibilidade para publicidade e conseqüente segurança jurídica.
            O direito português também tem previsão de cautelares específicas e de providências inominadas. [05]
            Especificamente no Estado de São Paulo a determinação judicial de indisponibilidade, que não conte "com previsão legal específica para ingresso no registro imobiliário", não alcança o fólio real. As normas paulistas distinguem as comunicações administrativas de indisponibilidade com previsão legal específica para ingresso no registro imobiliário (p.ex., Lei 6.024/74, arts. 36 a 38), que devem ser averbadas no Livro 2, e os mandados judiciais que não contem com tal previsão, devendo ser prenotados no Livro 1- Protocolo, e arquivados (itens 102.1 e 102.9 das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça/SP).
            Criam as normas administrativas de São Paulo uma anomalia: o título ingressa no protocolo e não tem andamento, até solução definitiva da demanda, surgindo nova exceção ao prazo de validade da prenotação, de duvidosa legalidade. Ocorrendo tal hipótese, deve constar das certidões a existência dos mandados de indisponibilidade lançados no protocolo (item 102.8).
            O título judicial, submetido como os outros à qualificação registrária, deve receber qualificação positiva ou negativa, dando-se ao mesmo regular andamento, como previsto nos arts. 182 a 216 da Lei 6.015 (processo de registro), sendo inadmissível seu sobrestamento por norma administrativa, hierarquicamente inferior à lei federal. Outrossim, não vejo razão para impedir o acesso de tais ordens ao fólio real, pois que emanadas do Poder Judiciário, expedidas em razão do poder geral de cautela dos magistrados, em processo contraditório e com garantia de ampla defesa, devendo ser acolhidas pelo registro imobiliário, mesmo porque encontram esteio para ingresso no fólio real: art. 167, II, 5 (averbação de "outras circunstâncias que, de qualquer modo, tenham influência no registro ou nas pessoas nele interessadas"); art. 167, II, 12 (averbação "das decisões, recursos e seus efeitos, que tenham por objeto ato ou títulos registrados ou averbados"); e art. 246 ("além dos casos expressamente indicados no item II do art. 167, serão averbadas na matrícula as sub-rogações e outras ocorrências que, por qualquer modo, alterem o registro"), todos dispositivos da L.R.P.
            Ademais, devem os princípios informadores da atividade nortear a interpretação dos dispositivos legais. É evidente que a enumeração das averbações é exemplificativa, não atendendo aos princípios da publicidade e segurança negar acesso ao fólio real da determinação judicial, em face de interpretação extremamente restritiva e, S.M.J., equivocada.

5- Efeitos decorrentes da indisponibilidade.
            Ante a ocorrência da indisponibilidade, decorrente da lei, de ato administrativo ou judicial, incontornável definir quais seus efeitos.
            Seriam nulos, anuláveis ou meramente ineficazes os atos de disposição de bens atingidos pela indisponibilidade? Examinando os textos legais que contém previsão de indisponibilidade verifica-se que neles não há definição da sanção para os referidos atos.
            Socorrendo-se das normas da Parte Geral do Código Civil, relativas à invalidade dos negócios jurídicos, podemos concluir não se cuidar de anulabilidade.
            Quanto à nulidade, prescreve a lei substantiva civil que, não sendo hipótese de declaração taxativa, nulos são os atos cuja prática a lei proíbe, sem cominar sanção (art. 166, VII).
            O elenco de indisponibilidades é razoavelmente extenso, e nele encontramos vários casos de proibição de alienação por força de lei. Vedada a prática pela lei, sem que exista previsão de sanção, podemos dizer que os atos são fulminados pela nulidade.
            As indisponibilidades previstas na Carta Magna (art. 189), no §1° do art. 53 da Lei 8.212, e no §1° do art. 36 da Lei 6.024, para exemplificar, decorrem da lei e a disposição em afronta a tais normas legais importará em nulidade.
            Anote-se que, em sede administrativa, em regra, a indisponibilidade decorre da lei. A autoridade administrativa pratica um ato (determinação de liquidação extrajudicial, demissão ou a destituição de cargo em comissão, etc.), sendo conseqüência do ato, definida por lei, a indisponibilidade de bens.
            Pode-se traçar, assim, um parâmetro: decorrendo a indisponibilidade da lei, sem que haja cominação de sanção, o ato de disposição será nulo. Havendo discricionariedade na imposição da indisponibilidade pela autoridade administrativa, sem previsão de sanção, será o ato de disposição meramente ineficaz (p.ex.: o § 2º do art. 36 da Lei 6.024 prevê que, por proposta do Banco Central do Brasil, aprovada pelo Conselho Monetário Nacional, a indisponibilidade prevista no caput poderá ser estendida às pessoas relacionadas nas alíneas a e b).
            O que ora se propõe é tão somente uma abordagem inicial e perfunctória dos efeitos decorrentes da indisponibilidade legal e administrativa, pois em face dos diversos dispositivos legais que cuidam da indisponibilidade, uma análise aprofundada requer o estudo de cada um dos textos legais que contenham previsão de indisponibilidade, para que se conclua com segurança quais os efeitos em cada caso. Como se percebe, não há regulamentação do instituto da indisponibilidade em nossa legislação, o que tem provocado tratamento desarmônico nos diversos dispositivos legais que o adotam, demandando a interpretação de tais dispositivos, portanto, redobrada atenção. Efetivamente, situações há em que será plenamente viável sustentar a ineficácia e não a nulidade, apesar de proibição legal da prática de ato sem cominação de sanção.
            Feitas tais considerações, no tópico seguinte analisar-se-ão os efeitos decorrentes da indisponibilidade judicial, numa incursão mais aprofundada por se tratar do objetivo deste estudo.

6- Efeitos decorrentes da indisponibilidade judicial.
            Decretada judicialmente a indisponibilidade de bens, cumpre analisar quais os efeitos da decisão que retira provisoriamente do proprietário a faculdade de dispor. Anote-se que estão em análise tão somente os efeitos da decisão que tem por objeto decretar a indisponibilidade, pois há situações em que a indisponibilidade é efeito secundário de outra decisão (art.752 do C.P.C. – a indisponibilidade decorre da decisão que declara a insolvência civil; art. 103 da Lei 11.101 – a indisponibilidade decorre da decisão que decreta a falência) e, sendo prevista pela lei, aplica-se o que foi dito no tópico anterior.
            Inicialmente, é possível afirmar que a determinação judicial de indisponibilidade refere-se à alienação voluntária, por qualquer de suas formas (venda, permuta, dação em pagamento, doação etc.), não estando afastada a hipótese de alienação forçada.
            A capacidade para dispor de bens imóveis exige, além da não incidência de qualquer das incapacidades dos arts. 3º e 4º do Código Civil, por vezes, um plus. Exemplificando, é indispensável a outorga uxória para alienação de bens imóveis em qualquer regime de bens (exceto na separação absoluta), conforme regra inserta no art. 1.647 do Código Civil; a venda de ascendente para descendente carece do consentimento dos demais descendentes e do cônjuge do alienante (exceto na separação obrigatória), nos termos do art. 496 do mesmo diploma – que sanciona como anulável a venda sem o consentimento, assim como o art. 1.649 dispõe ser anulável a alienação ou oneração sem vênia conjugal.
            O titular do direito de propriedade, ainda que plenamente capaz para os atos da vida civil, pode também sofrer restrição para alienar ou onerar bens por decreto de indisponibilidade. O negócio jurídico realizado por proprietário alcançado pela indisponibilidade judicial seria atingido no plano da existência, da validade ou da eficácia? As normas que contêm previsão de indisponibilidade judicial não definem se a alienação ou oneração de bens indisponíveis acarreta anulabilidade, nulidade ou a ineficácia do negócio. A resposta à indagação não é simples, mas a sua busca é altamente relevante para os tabeliães e registradores, pois instados a lavrar escrituras envolvendo bens indisponíveis por decreto judicial, e a registrar os direitos decorrentes dos contratos, devem exercer o controle da legalidade.
            Pedro Camara Raposo Lopes [06] sustenta a nulidade dos negócios jurídicos tendo como objeto bens declarados indisponíveis: "a indisponibilidade retira o bem do comércio jurídico, subtraindo da propriedade um dos poderes a ela inerentes, qual seja o ius abutendi. Corolário, qualquer negócio jurídico que venha a versar sobre os bens tornados indisponíveis será dotado de irremissível nulidade, por cuidar de objeto juridicamente impossível. A conseqüência jurídica não é, pois, a ineficácia em relação ao credor, como acontece com as demais formas de alienação fraudulenta de bens".
            Humberto Theodoro Júnior, na obra citada, invocando Lopes da Costa, diz que "o negócio feito com violação à proibição de dispor não é nulo, mas se apresenta ineficaz, isto é, vale entre os participantes do negócio, mas não é oponível ao promovente da medida cautelar".
            Parece assistir razão ao respeitado processualista. Antônio Junqueira de Azevedo [07], discorrendo sobre o plano da eficácia assevera que "são casos de negócios em que há falta de legitimidade-fator de eficácia: as vendas a non domino, os atos do mandatário sem poderes (desde que aquele que contratou com o mandatário ignore a falta de poderes), as alienações de bem próprio, quando o proprietário já perdeu o poder de disposição (por exemplo, comerciante com falência decretada; executado, que vende bem penhorado) etc. Os negócios realizados nessa situação são válidos e, até mesmo, têm eficácia entre as partes (podem ser rescindidos e dão origem a perdas e danos por inadimplemento); falta-lhes, porém, a eficácia diretamente visada, que, como se percebe, implica os efeitos do negócio se projetarem também na esfera jurídica de terceiros. O poder, resultante da relação jurídica legitimante, é, pois, aí, fator de atribuição da eficácia diretamente visada; sem ele, o negócio é ineficaz em relação aos terceiros. Aliás, basta pensar que, em princípio, essas pessoas não precisam agir para destruir o ato, para perceber o quanto essa situação de falta de legitimidade-fator de eficácia difere não só da nulidade (o que é evidente), mas também da anulabilidade". O autor, ao referir-se à necessidade de consentimento para a alienação (venda de ascendente a descendente), diz cuidar-se de legitimidade-requisito de validade, agindo sobre a validade do negócio. A legitimidade-requisito de validade é definida como "a qualidade do agente consistente na aptidão, obtida por consentimento de outrem, para realizar VALIDAMENTE um negócio jurídico...; enquanto a legitimidade-fator de eficácia é "a qualidade do agente consistente na aptidão, obtida pelo fato de estar o agente na titularidade de um poder, para realizar EFICAZMENTE um negócio jurídico..." (nossas as versais).
            Carlos Alberto da Mota Pinto [08] se refere à ineficácia relativa para dizer que a mesma surge "em situações caracterizadas pela existência de um direito, de uma expectativa ou de um interesse legítimo de um terceiro, que seriam prejudicados pelo negócio de disposição ou de vinculação em causa. O negócio é relativamente ineficaz, por força do impedimento, resultante daquela posição legítima do terceiro acerca do conteúdo do ato. Esta posição legítima do terceiro pode consistir numa pretensão fundada de aquisição ou execução dos bens alienados ou onerados pelo negócio. É necessário proteger o terceiro na medida apropriada à não frustração do seu direito, mas não se deve limitar o poder de disposição (ou a legitimidade para agir) do titular mais do que for necessário a essa proteção. Logo, o negócio só é ineficaz em face do terceiro, mas não o é entre as partes ou em face de outras pessoas". Exemplifica o doutrinador português invocando o art.819° do Código Civil Português, que trata dos atos de disposição ou oneração de bens penhorados. [09]
            Para ilustrar, é interessante trazer à baila a hipótese que a lei define como de nulidade, do art. 48 da Lei 8.212/91, referente aos atos de alienação ou oneração de bens de empresa sem apresentação da Certidão Negativa de Débito (CND) do I.N.S.S., que os tribunais acabaram por entender ser caso de ineficácia com relação à Previdência (REsp. 92.500/AM - STJ-3.a T - j. 04.02.1997 - Rel. Min. Eduardo Ribeiro). Como se vê, é de extrema relevância analisar em que plano são atingidos os negócios, se da existência, da validade ou da eficácia.
            Sendo ineficazes os negócios jurídicos, como devem agir tabeliães e registradores?
            O Código do Notariado Português, no art. 174º, 1, impede ao notário recusar sua intervenção sob o fundamento do ato ser anulável ou ineficaz, devendo advertir as partes da existência do vício e consignar no instrumento a advertência. Os negócios anuláveis acessam o registro imobiliário em Portugal, em alguns casos definitivamente, ou em outros como provisórios por natureza, enquanto não for sanada a anulabilidade ou caducar o direito de a argüir (art. 92º, 1, e, do Código do Registo Predial Português). No direito brasileiro não há disposições legais correspondentes.
            A solução quanto à lavratura de atos notarias é interessante e penso que possa ser por nós adotada. A indisponibilidade determinada judicialmente é transitória e, dentro da liberdade de contratar, devem as partes decidir quando contratar, com quem contratar e em que termos, assumindo os riscos do negócio. Cientes do decreto judicial e de que o negócio não produzirá efeitos com relação a terceiros, a celebração do contrato pode interessar às partes, acreditando seriamente que a decisão judicial será revogada, ou estando os contratantes motivados por qualquer outro interesse dentro de sua esfera privada. Ao tabelião caberá lançar na escritura a existência da indisponibilidade, a advertência do risco que correm e que terceiros não serão alcançados pelos efeitos do negócio.
            Quanto ao registro imobiliário, deve o título merecer qualificação positiva. A indisponibilidade é transitória; tais negócios jurídicos são ineficazes com relação aos terceiros, mas são válidos; a realidade registral deve corresponder à realidade extra-tabular, enfim, não há razão para negar acesso ao fólio real, sendo certo que se resolverão todos os negócios posteriores à indisponibilidade caso o beneficiado pela ineficácia obtenha qualquer medida que importe na transmissão do direito de propriedade. Assim como a penhora (em regra) não impede a alienação e seu registro, sendo apenas ineficazes com relação ao credor, não deve fazê-lo o decreto de indisponibilidade. Desnecessária a prática de qualquer ato no registro imobiliário estando averbada a indisponibilidade, que produzirá todos seus efeitos até seu cancelamento. A compra e venda com cláusula resolutiva expressa (condicional) é registrada e, caso haja inadimplemento, se resolvem todas as transmissões feitas pelo devedor inadimplente e seus sucessores, já que pela publicidade decorrente do registro da compra e venda condicional não se pode alegar desconhecimento, como também não se pode alegar ignorância de indisponibilidade averbada. A prática de atos registrais deve ser negada somente quando houver expressa determinação legal ou judicial (p.ex.: a Lei 6.024/74, que prevê indisponibilidade resultante de ato que decretar a intervenção, a liquidação extrajudicial ou a falência, impede a prática de atos registrais – art.38 – ver tópico 3.4).
            Releva notar, no entanto, que a adoção de tal entendimento deve ser precedida de cautela e verificação da existência de normas administrativas estaduais sobre a matéria, a fim de evitar confronto entre o registrador e o poder fiscalizador. Ainda que exista posicionamento administrativo impedindo a prática dos atos em mira, não tem o condão de afastar a sua possibilidade; entretanto, entendo que a argumentação há de ser utilizada para alterar tal posicionamento, precedentemente à prática dos atos, a fim de que ocorram em completa segurança jurídica.
            Por fim, resta analisar se a indisponibilidade judicial engloba a impenhorabilidade e a incomunicabilidade, assim como ocorre com a inalienabilidade voluntária, que importa em impenhorabilidade e incomunicabilidade (art. 1.911 do C.C.).
            Sendo a indisponibilidade judicial, se a lei ou a decisão não restringirem a prática de novos atos no registro imobiliário, entendo que atos de alienação forçada ou de constrição judicial devam ser praticados quando o magistrado decidiu ciente da existência da indisponibilidade. Descabe ao registrador ingressar no mérito das decisões judiciais, não obstante sujeitos os títulos judiciais à qualificação registrária. Ao receber o título judicial contendo ordem de alienação forçada ou da prática de qualquer ato de constrição judicial, expedido em autos diversos daqueles nos quais se determinou a indisponibilidade, e não havendo informação de constar dos autos notícia da indisponibilidade, o registrador deverá por cautela cientificar o magistrado da averbação de indisponibilidade. Reiterada a determinação, deve ser cumprida, assim como devem ser as ordens expedidas nos próprios autos onde houve a decretação de indisponibilidade. Portanto, a indisponibilidade judicial não importa em impenhorabilidade, por atingir apenas a alienação voluntária; por conseqüência, não impede a prática de atos decorrentes de títulos judiciais no registro de imóveis, salvo por expressa determinação legal ou judicial.
            No que concerne à incomunicabilidade, o decreto de indisponibilidade não impede a comunicação dos bens, por não se tratar o casamento de ato que vise à alienação de bens, sendo a comunicação efeito patrimonial do casamento. Entretanto, serão tais efeitos patrimoniais ineficazes com relação a terceiros. Exsurgem do matrimônio efeitos patrimoniais, vigorando o regime de bens desde a data do casamento (§ 1º do art. 1.639 do C.C.). O casamento é ato voluntário, importando o matrimônio pelo regime da comunhão universal na comunicação de todos os bens (art. 1.667 do C.C.). Considerando a hipótese de uma pessoa sem impedimento para casar e proprietária de bens, contudo indisponíveis, vindo a contrair matrimônio pelo regime da comunhão universal os bens integrarão o patrimônio do casal. Não poderá o cônjuge, no entanto, defender sua meação em caso de apreensão judicial dos bens indisponíveis, em razão da ineficácia da comunicação dos bens quanto a terceiros. Em conclusão, por ser efeito do casamento, ocorre a comunicação, porém ineficaz em face dos terceiros beneficiários da indisponibilidade já determinada. Tal entendimento parece adequado eis que, como já afirmado, nos atos de vontade o que se busca atingir com a restrição é a proteção do beneficiário da cláusula (daquele que fica impedido de dispor), o que justifica a inalienabilidade voluntária importar em incomunicabilidade; nas indisponibilidades judiciais o objetivo é dar efetividade às decisões do Poder Judiciário, em desfavor de quem tem alcançado seu poder de disposição.
            O tema carece ainda de diversas outras abordagens e aprofundamento no estudo, tendo este trabalho como escopo apresentar de forma sucinta os principais pontos referentes às indisponibilidades por ato de constrição judicial e submeter ao debate assuntos controvertidos, salientando que o aprimoramento no tratamento da matéria se impõe em razão da avalanche de indisponibilidades administrativas e judiciais a que estamos assistindo.

Notas
            01 PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de Direito Civil, vol. III. 7ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 1.986.
            02 HELENA, Eber Zoehler Santa. A indisponibilidade de bens como medida cautelar ou executiva. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 927, 16 jan. 2006. Disponível em: . Acesso em: 4 set. 2.006.
            03 LACERDA, Galeno. Comentários ao Código de Processo Civil, vol.VIII, tomo I. 5ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 1.993."Entendemos de nosso dever, ao elaborar, fora da praxe sucinta dos comentários, análise minuciosa mas inexaurível do poder cautelar geral no universo do direito, abrir os olhos da consciência jurídica nacional para a importância desse poder, como instrumento de justiça imediata, embora provisória, da mais alta eficácia" (págs.145/146).
            04 JÚNIOR, Humberto Theodoro. Processo Cautelar. 2ª edição. São Paulo: LEUD, 1.976.
            05 ARTIGO 381.º
            (Âmbito das providências cautelares não especificadas)
            1. Sempre que alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, pode requerer a providência conservatória ou antecipatória concretamente adequada a assegurar a efectividade do direito ameaçado.
            2. O interesse do requerente pode fundar-se num direito já existente ou em direito emergente de decisão a proferir em acção constitutiva, já proposta ou a propor.
            3. Não são aplicáveis as providências referidas no nº 1 quando se pretenda acautelar o risco de lesão especialmente prevenido por alguma das providências tipificadas na secção seguinte.
             4. Não é admissível, na dependência da mesma causa, a repetição de providência que haja sido julgada injustificada ou tenha caducado.
            06 LOPES, Pedro Camara Raposo. A indisponibilidade universal da Lei Complementar nº 118/2005. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 602, 2 mar. 2005. Disponível em: . Acesso em: 04 set. 2006.
            07 AZEVEDO, Antônio Junqueira de. Negócio Jurídico, Existência, Validade e Eficácia. 4ª edição. São Paulo: Saraiva, 2.002.
            08 PINTO, Carlos Alberto da Mota. Teoria Geral do Direito Civil. 4ª edição. Coimbra: Coimbra Editora, 2.005.
            09 Art.819° - Disposição, oneração ou arrendamento dos bens penhorados – Sem prejuízo das regras do registo, são inoponíveis à execução os actos de disposição, oneração ou arrendamento dos bens penhorados.
 
 

Sobre o autor
Eduardo Pacheco Ribeiro de Souza
 
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Sobre o texto: Texto inserido no Jus Navigandi nº1379 (11.4.2007)
Elaborado em 09.2006.

Informações bibliográficas: Conforme a NBR 6023:2000 da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto científico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOUZA, Eduardo Pacheco Ribeiro de. A indisponibilidade de bens privados como ato de constrição judicial e seu acesso ao registro imobiliário . Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1379, 11 abr. 2007. Disponível em: . Acesso em: 15 out. 2010.