domingo, 18 de abril de 2010

Desigualdade na Partilha e o ITBI



















Desigualdade na Partilha e o ITBI
É comum nos inventários, nos divórcios e separações a existência de diferenças nas partilhas dos bens.
Exempliquemos um caso para melhor compreensão do tema.
Nos autos do divórcio, considerado o casamento sob o regime de comunhão universal, apresenta-se o seguinte quadro:
a) dois imóveis no valor de R$ 100.000,00 cada um, atribuídos ao cônjuge virago;
b) um imóvel de R$ 100.00,00 mais diversos bens móveis no valor de R$ 100.000,00 atribuídos ao cônjuge varão.
No exemplo acima cada cônjuge, a título de meação, ficou com R$ 200.000,00, isto é, exatamente a metade do patrimônio global do casal. Pergunta-se, há incidência de ITBI?
A resposta é positiva, porque o ITBI incide sobre transmissão de propriedade imobiliária pelo que não interessa o patrimônio global composto de bens que não tenham natureza de direitos reais.
Assim, desfeita a sociedade conjugal cada cônjuge fica com a metade ideal de cada um dos imóveis considerados individualmente. A reposição em dinheiro, ou compensação com bens de outra natureza para igualar os quinhões em partilha desencadeia a incidência do ITBI, conforme jurisprudência de nossos tribunais:
Súmula 116 do STF: Em desquite ou inventário, é legítima a cobrança do chamado imposto de reposição, quando houver desigualdade nos valores partilhados.
EMENTA: Separação consensual. Partilha de bens. Incidência do imposto sobre transmissão de bens imóveis. É legitima a exigência do chamado "imposto de reposição" quando houver desigualdade nos valores partilhados. Sumula 116 do STF. Artigo 1121, par- único, 1026 e 1108 do Código de Processo Civil. Decreto Estadual nº 30525, de 30.12.81, art. 1º, VI. Também na partilha de bens decorrentes de separação consensual, deve a fazenda pública ser intimada antes da sentença, a fim de pronunciar-se sobre os valores atribuídos pelos interessados. Voto vencido. (AC nº 586000440/RS, Rel. Des. Athos Gusmão Carneiro, j. em 27-05-1986).
EMENTA: Separação judicial consensual. Incidência do imposto de transmissão sobre a diferença a maior na partilha dos bens do patrimônio comum, excedendo a meação. Tirante acordo com solução diversa, a responsabilidade tributária é do beneficiado pela forma desigual de divisão dos bens. Agravo desprovido. (AI nº 592048524/RS, Rel. Des. Talai Djalma Selistre, j. em 29-07-1992).
Surge a dúvida quando cada cônjuge fica com imóveis por inteiro, porém, sem apresentar desigualdade nos valores partilhados.
Por exemplo, cada um fica com dois imóveis no valor de R$ 100.000,00 cada um, perfazendo o valor total partilhado de R$ 400.000,00. Não há que se cogitar, na hipótese, de torna ou reposição. Pergunta-se, há incidência de ITBI?
A maioria das legislações municipais inclui na hipótese de incidência do ITBI “o valor dos imóveis que, na divisão do patrimônio comum ou na partilha, forem atribuídos a um dos cônjuges ou a qualquer herdeiro, acima da respectiva meação ou quinhão, considerando em conjunto, apenas os bens imóveis constantes do patrimônio comum ou monte-mor”
Correta a disposição legal nesse sentido, porque, se antes da separação ou divórcio cada cônjuge possuía apenas 50% de cada imóvel integrante do patrimônio do casal e, se após a desunião um dos cônjuges passou a possuir 100% de determinado bem imóvel é porque este incorporou ao seu patrimônio individual a metade ideal pertencente a outro cônjuge.
Logo, o excesso de meação ou do quinhão, para efeito de ITBI, deve ser examinado exclusivamente sob a ótica de cada bem imóvel, desprezando-se o patrimônio total do casal, ou do valor que compõe do monte-mor.
Há ainda uma questão que vem desafiando a inteligência do intérprete. Qual seria a natureza da transmissão retro examinada?
Saber se se trata de transmissão gratuita ou onerosa é imprescindível para definir a incidência do ITCMD ou do ITBI.
Omar Augusto Leite Melo examinando essa questão afirma:
“Somente uma análise meticulosa e casuística do negócio possibilitará saber a que título se deu a transferência de parte da propriedade imóvel. Contudo, não seria nenhum absurdo presumir – necessariamente por meio de lei – a onerosidade da transferência”.
Nos casos de desigualdade nos valores partilhados, normalmente, no próprio corpo da partilha consta a reposição em dinheiro ou a compensação com bens de outra natureza a evidenciar o caráter oneroso da transmissão imobiliária. Difícil encontrar, na prática, uma situação em que um cônjuge fica com bens imóveis acima da sua meação, sem que haja reposição por parte do outro cônjuge. Aliás, comportar-se de forma diversa seria trilhar o caminho mais oneroso em termos tributários, pois a transmissão a título gratuito é onerada pelo ITCMD, cuja alíquota é de 4% normalmente, contra os 2% usuais do ITBI.
Por Kiyoshi Harada,
Postado por Sancho Neto

domingo, 4 de abril de 2010

Arrematação e adjudicação de bem imóvel

Arrematação e adjudicação de bem imóvel:

classificação quanto à origem e seus efeitos



Introdução
Conquanto se afigura de pouco enfrentamento na prática, mostra-se de relevante estudo o tema ora proposto. Saber se, quanto à origem, a propriedade do bem imóvel que tem por título aquisitivo a carta de adjudicação ou de arrematação, classifica-se como derivada ou originária, em muito facilitará a vida do credor, ou do arrematante, tendo-se em vista os efeitos, mormente pecuniários, duma e doutra forma aquisitiva.
Assinado o auto pelo juiz, pelo escrivão, pelo arrematante e pelo porteiro ou pelo leiloeiro e satisfeitas as demais formalidades do art. 694 do Estatuto Processual Civil, a arrematação considerar-se-á perfeita, acabada e irretratável, exaurindo-se, assim, a prestação jurisdicional do juiz. Para a adjudicação, é suficiente a assinatura do adjudicante no auto respectivo, não se impondo o elenco previsto no art. 694 do Código de Processo Civil, se presentes os demais requisitos dos artigos 703 e 715 do mesmo Código. Observadas estas formalidades, basta o registro do auto de arrematação ou de adjudicação no cartório imobiliário respectivo, para que seja transferida a propriedade.
Mas, e como ficam os ônus, débitos, encargos, empréstimos, restrições, etc., que pesavam sobre o imóvel antes da arrematação ou da adjudicação? Comumente, a prática tem-nos demonstrado a imposição ao adjudicante ou ao arrematante pela assunção de tudo isso, além da comissão do leiloeiro e das despesas com o registro, o que tem desmotivado a aquisição de bens em hasta pública. Está correta esta conduta? Vejamos:

1. Da aquisição da propriedade imóvel
Nos estreitos limites do presente estudo, não tencionamos esmiuçar a disciplina dos modos de aquisição da propriedade imóvel, que se dá pela transcrição do título de transferência no registro de imóvel, pela acessão, pelo usucapião ou pelo direito hereditário. Interessa-nos apenas a classificação quanto à origem, derivada ou originária.
Doutrinariamente, sabe-o toda a gente, que a aquisição da propriedade imóvel se dá de dois modos. Um, refere-se ao modo originário, quando o adquirente recebe esse título de forma direta e independente do antigo proprietário, sem com este manter qualquer vínculo. Outro se concebe de modo derivado, reclamando a vinculação do adquirente a outra pessoa, pressupondo um ato ou um negócio jurídico de transferência da propriedade para o adquirente.
Nesse sentido a sempre esmerada observação de Washington de Barros Monteiro, para que "... os modos de adquirir a propriedade dividem-se em originários e derivados. Nos primeiros, a aquisição é direta e independente de interposição de outra pessoa, o adquirente faz seu o bem, que lhe não é transmitido por quem quer que seja. São modos originários a aquisição da propriedade por ocupação, a especificação e a acessão. Nos segundos, a aquisição tem como pressuposto um ato de transmissão por via do qual a propriedade se transfere para o adquirente. Tais são a transcrição e tradição." (1)
Na lição de Roberto Senise Lisboa, acerca da classificação dos fatos jurídicos, deve-se considerar "fato aquisitivo o acontecimento que importa na aquisição originária ou derivada de um bem, por um sujeito de direito. Exemplos: usucapião e compra e venda." (2)
Para Silvio Rodrigues, a separação dos modos de aquisição da propriedade referem-se a: "originários os modos de aquisição da propriedade em que não há qualquer relação jurídica de causalidade entre o domínio atual e o estado jurídico anterior, como ocorre na hipótese de acessão ou do usucapião. São derivados os modos de aquisição quando, entre o domínio do adquirente e o do alienante, existe uma relação de causalidade, representada por um fato jurídico, tal o contrato seguido de tradição, ou o direito hereditário." (3)

2. Instrumentalidade da arrematação e da adjudicação
Observe-se, por primeiro, que eventual negócio jurídico havido na arrematação e na adjudicação se dá apenas entre o particular adquirente e o Estado. Um oferece o lanço, o preço e a forma de pagamento; o outro, diz se aceita, determina como se deve proceder e firma o necessário título aquisitivo. Ou ainda, um apenas sugere a dação, aquiescendo em aceitar um bem imóvel como pagamento de seu crédito de valor; e o outro assim o confere. Não obstante, o negócio jurídico é de direito público e processual, não necessariamente contratual (inexiste contrato, aliás).
Afora isso, conquanto estejam esparsamente tratadas em normas de direito essencialmente material, não se exige muito esforço de raciocínio para se vislumbrar que o objetivo dos institutos da arrematação e da adjudicação é, apenas, a satisfação do crédito ostentado pelo credor. Este, devendo se valer da soberania estatal para buscar no patrimônio do devedor a satisfação de seu crédito o fará coercitivamente na fase procedimental adequada.
Assim, a arrematação e a adjudicação não são um objetivo em si mesmas, mas tão-somente um meio idôneo visando a consecução daquele fim. Representam, portanto, o instrumento jurídico-processual colocado à disposição do credor para salvá-lo da ruína da perda do crédito legitimamente constituído, indiscutível e exigível.
Importante observar, com Araken de Assis, que "a alienação coativa não depende, com efeito, da vontade do executado. Ela se realiza mesmo contra esta vontade. O ato do órgão judiciário expressa a soberania do estado. Exato, ao propósito, o parecer vetusto de Paula Batista, segundo o qual enxerga, na alienação, no uso da força da lei, a ‘idéia de que a entrega do ramo representa o consentimento do executado pela intervenção do juiz’, revela ficção fútil e pueril’" (4).
A transmissão de propriedade imóvel por força de arrematação ou da adjudicação é coativa. A compulsoriedade da cobrança via execução, assim como a excussão dos bens do devedor, retira do ato de alienação qualquer possibilidade de tê-lo como consentido. Este meio deixado à disposição do credor bem se amolda à visão contemporânea do processo, como o instrumento de realização do direito material e de efetivação da tutela jurisdicional, sendo de função predominantemente pública, que não deve prestar obséquios aos caprichos de litigantes desidiosos ou de má-fé.

3. Originalidade da aquisição de imóvel em hasta pública
Os fundamentos que tradicionalmente são lançados na classificação da propriedade, quanto a sua origem, calham bem à essência dos institutos instrumentais ora estudados. Não há como, desse modo, sustentar eficazmente que a propriedade transmitida em hasta pública o é de forma derivativa.
A adjudicação se verifica quando o credor oferece preço não inferior ao que consta do edital, depois de findada a praça sem lançador (CPC, art. 714). A exemplo do que ocorre na arrematação, a adjudicação só se reputa perfeita e acabada com a assinatura do respectivo auto, expedindo-se a respectiva carta, com observância dos requisitos do artigo 703 (os mesmos da arrematação).
Para Araken de Assis, "transfere a arrematação a coisa com toso os ônus que a oneravam, tirante os direitos reais de garantia, porquanto se trata de aquisição derivativa (nemo plus iuris in alios transferre potest quam ipse haberet)." (5) Ousamos, sempre com a reiterada vênia, divergir da abalizada doutrina do mestre. Para nós, à hasta pública não podem sobreviver pendências que anteriormente tisnavam a propriedade plena, nem mesmo servidões, uso, habitação, enfiteuse, usufruto e renda sobre imóvel.
De início, observe-se que a aquisição pela transcrição do título translativo da propriedade imóvel, por ato entre vivos, está disciplinada no artigo 531. Este dispositivo regulou os negócios jurídicos, que transferem a propriedade de forma derivada (causalidade negocial entre o adquirente e o alienante). De outra banda, tratou da forma essencialmente originária de aquisição da propriedade no artigo 532, dizendo também estarem sujeitos à transcrição a arrematação e a adjudicação em hasta pública (inciso III), além dos julgados e das sentenças (incisos I e II).
Na Lei Civil, ainda, um passar d’olhos apenas perfunctoriamente sobre o artigo 677 e seu P. único reforçaria a idéia de que, ao arrematante, são transferidos todas as pendências havidas sobre o imóvel. Mas não é bem assim. A melhor exegética acerca do P. único do artigo 677 do Código Civil, relativamente à arrematação e à adjudicação conclui no sentido de que "fica o arrematante inteiramente desvinculado da responsabilidade tributária do executado." (6) Do contrário, "ninguém arremataria bens em hasta pública, pois estaria sempre sujeito a perder o bem arrematado, não obstante tivesse pago o preço respectivo." (7)
Veja-se que o inciso III do P. único do artigo 694 do Estatuto Processual Civil trata da possibilidade de se desfazer a arrematação quando o arrematante provar, nos três dias seguintes, a existência de ônus real não mencionado no edital (8). Que outro motivo haveria de inspirar este dispositivo que não a responsabilidade imposta, ao executado, de honrar com os débitos anteriormente havidos no imóvel arrematado? Certamente, pretendeu-se confirmar que o arrematante não assume obrigatoriamente tais ônus; apenas se espontaneamente desejar adquirir o imóvel mesmo com débitos, ônus, etc., o fará.
Noutra passagem, que serve de reforço à idéia ora esboçada, prevê o Código Civil a extinção da hipoteca pela arrematação ou adjudicação (art. 849, inciso VII), desde que o praceamento do imóvel seja precedido de intimação do credor hipotecário (CPC, art. 698, c/c CC 826). Esta garantia real sobre coisa alheia não poderia ser considerada extinta, acaso a propriedade fosse transferida com todos os ônus que lhe cercam. O que não se permite, frise-se, é a alienação do imóvel em hasta à revelia do credor hipotecário, deixando-o insciente do negócio, pois o descumprimento dessa exigência legal torna nula a arrematação ulterior. Ainda assim, a análise conjunta dos artigos 619 e 694, P. único, inciso IV, do Código Processual Civil evidencia a faculdade outorgada ao credor hipotecário, não intimado da alienação do objeto do gravame, de escolher entre conservar o seu direito real perante o adquirente ou desconstituir a arrematação. A lei impõe apenas uma pena para o adquirente relapso, negligente; o que não desnatura a essência da originalidade da aquisição da propriedade. Se intimado da praça o credor hipotecário, a arrematação extingue a hipoteca, como decidiu o Superior Tribunal de Justiça ao decidir que "tem conteúdo de aquisição originária a arrematação, donde está livre dos ônus que anteriormente gravavam o bem por esse meio adquirido." (9)
Não se deslembre que, apenas a propriedade adquirida originariamente rompe todo o cordão umbilical da coisa com o antigo proprietário, não repassando ao adquirente os ônus que pesavam sobre o imóvel. Se a arrematação e a adjudicação têm como condão extinguir o gravame sobre o imóvel (CC, art. 849, inciso VII), mormente no caso de o credor hipotecário ter sido regularmente intimado da praça, inegável que não se trata de aquisição derivativa.
E mais: a arrematação ou a adjudicação do imóvel, objeto de contrato de locação anterior à alienação em hasta pública, torna denunciável o vínculo locacional (Lei n. 8.245/91, art. 8º, caput, primeira parte), dês que o faça no prazo de 90 dias, contados do registro (§ 2º), cuja rescisão da locação "não se trata de verdadeira hipótese de denuncia vazia, visto como a causa jurídica, o motivo alegado pelo autor da ação de despejo existe, como sendo a própria alienação ou aquisição imobiliária recente." (10) Não tendo qualquer vínculo com o proprietário anterior, devedor na ação de execução, não haveria sentido lógico compelir o arrematante a respeitar as pendências do imóvel que acabara de adquirir. O mesmo não se aplica, porém, à locação de imóvel rural (Lei n. 4.504/64, art. 92, § 5º e Dec. 59.566/66, art. 15).
A desnecessidade de respeito a contrato anteriormente firmado abrange, também, o comodato, não obstante a dicção do artigo 1.250 do Código Civil. Porquanto, se não foi o adquirente quem estipulou "prazo convencional", ou "prazo pelo uso outorgado" (situações que o Código Civil manda respeitar), não podem os efeitos do contrato atingi-lo. Simples prestígio ao princípio da relatividade contratual basta para espancar a celeuma. Do contrário, atestar-se-ia a possibilidade de os termos de um contrato atingir, diretamente, quem dele não participou, além de violar direito à propriedade, cujos efeitos "contra todos" fluem mais fortes que os "entre partes" dos direitos pessoais.
Também aspectos do Direito Tributário infirmam os argumentos sustentáculos da teoria sobre a aquisição derivativa. Isso porque, a carta de arrematação a ser levada em registro como título aquisitivo de propriedade, conterá, entre outras coisas, a prova de quitação dos impostos (CPC, art. 703, II). Mas o arrematante não está obrigado a pagar os tributos devidos pelo executado, uma vez que o preço depositado responde pelos tributos por ele devidos (11), donde se deflui que os impostos referidos pela lei são apenas aqueles inerentes à transferência do domínio, os da própria arrematação, quer dizer, os impostos sobre a transmissão do bem. (12)
Ademais, se o arrematante pagou imposto predial de responsabilidade do executado e se o produto da arrematação ainda está nos autos, pode haver reembolso por ele no próprio processo (13), posto que "na arrematação em hasta pública, a sub-rogação de créditos tributários decorrentes de impostos, taxas e contribuições de melhoria, cujo fato gerador seja a propriedade, posse ou domínio útil do imóvel arrematado, ocorre sobre o respectivo preço, que por eles responde. Tais créditos tributários, até então assegurados pelo bem, passam a ser garantidos pelo preço da arrematação, recebendo o adquirente o imóvel desonerado dos ônus tributários devidos até a realização do praceamento. Se o preço alcançado na venda judicial não for suficiente para cobrir o débito fiscal, não fica o arrematante responsável pelo eventual saldo devedor". (14) Enfim, os débitos fiscais e demais encargos são ônus do executado e não do arrematante. (15) Novamente, que razão haveria de ser a da lei, ao reservar para o antigo proprietário os ônus sobre o imóvel, deixando-o integralmente livre e desembaraçado para o adquirente, se não fosse tratar o título como de aquisição originária (sem qualquer laço com o anterior proprietário).
Há quem sustente, contudo, que o "arrematante responde pelas despesas condominiais do apartamento arrematado, pendente à época da arrematação". (16) Contudo, nem mesmo um estudo liberal, seguido de elastério exegético, do comando insculpido no artigo 9º da Lei n. 4.591/64 autoriza defluir a responsabilidade do arrematante pelo débito condominial anterior à sua propriedade. Somente o condômino responde, proporcionalmente à sua unidade, pelas despesas do condomínio. Ora, se apenas com o registro da carta de arrematação (ou de adjudicação), tem o adquirente a propriedade, tornando-se condômino, não há lógica retroagir-lhe a obrigação pelos pagamentos. Pelos débitos havidos até então responde, apenas e tão-somente, o proprietário anterior. Veja-se que, a exemplo do IPTU, que a Lei Fiscal também imputa responsabilidade ao antigo proprietário (executado), as despesas condominiais constituem-se obrigação "propter rem", o que força, no mínimo, aplicar-lhe analogicamente a solução tributária para o caso fluente.
Tudo isso, é bom que se diga, pode conceder a entrega do imóvel totalmente livre e desembaraçado ao adquirente, sem prejudicar os créditos anteriormente constituídos sobre a coisa. Os antigos credores terão o seu crédito sub-rogado no preço pago na hasta pública ante a arrematação ou a adjudicação, dês que, às claras, não afetem o crédito do exeqüente na ação. Ou seja: a sub-rogação real atingirá apenas eventuais diferenças creditórias, que se entregariam ao devedor (antigo proprietário), após a transmissão do bem realizada pela adjudicação (que mais se assemelha à dação em pagamento) ou pela arrematação. Não se pode prejudicar terceiro alheio à execução, mas também não se pode deixar ao léu o credor que teve a iniciativa de aparelhar processo de execução visando satisfazer o seu crédito.

4. Conclusão
Em que pesem os doutos pensamentos contrários, não nos mostra crível haja possibilidade de se impor o pagamento de eventuais débitos ou o respeito a eventuais onerações, empréstimos ou garantias para aquele que, em hasta pública, adjudique ou arremate bem imóvel. Não se lhe pode transferir a obediência a hipoteca, comodato, locação, usufruto, enfiteuse, uso, habitação, etc. De igual, não cabe a ele a responsabilização pelo pagamento de tributos inerentes à propriedade (tais como IPTU), taxas condominiais, contas de consumo de energia elétrica, abastecimento de água e saneamento básico, gás, etc. Tudo que de algum modo embaraçava a propriedade plena, onerava-lhe ou era cobrado em razoa dela, antes da expedição da carta de adjudicação ou de arrematação, não são de responsabilidade d adquirente.
Quer-nos parecer seja essa a explicação lógica e científica da classificação da propriedade, quanto à origem, como originária. Inegável que a única ligação pessoal em razão da coisa atingindo o novo proprietário é com o Juiz que dirige a execução. É o Estado, através do Poder Judiciário, quem possibilitará a aquisição da propriedade, absolutamente independente do consentimento ou da assinatura do proprietário (executado na ação). Não tem o adjudicante, ou o arrematante, qualquer negócio ou laço negocial com o antigo proprietário, não podendo, em razão disso, ser considerada derivada a propriedade adquirida em hasta pública.
Logo, para o adquirente (adjudicante ou arrematante), restam apenas os pagamentos da comissão do leiloeiro e das despesas da transcrição dos títulos de transmissão de propriedade (CC, art. 862), estas porque evidentemente não há convenção entre adquirente e devedor dispondo o contrário. Nada mais!

Notas
1. Curso de direito civil. 25ª ed. São Paulo: Saraiva, 1986, 3ª vol. p. 101.
2. Manual elementar de direito civil. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. 1999, v. I, p. 315.
3. Direito civil. 24ª ed., São Paulo: Saraiva, 1997, 5. Vol., p. 88.
4. Manual do processo de execução. 4ª ed., São Paulo: RT, 1997, p. 575.
5. Ob. cit., p. 589.
6. Araken, ob. cit. p. 579.
7. Hugo de Brito Machado. Curso de direito tributário. 7ª ed. São Paulo: Malheiros, 1993, p. 106.
8. Por força do artigo 686, inciso V, do Código de Processo Civil, o edital que precede a arrematação deve informar a existência de ônus, recurso ou causa pendente sobre os bens a serem arrematados.
9. RSTJ 57/433.
10. Carlos Celso Orcesi da Costa. Locação de imóvel urbano. São Paulo: Saraiva, 1992, p. 36.
11. RTJ 89/272, Amagis 9/236.
12. RT 468/99, RF 250/248, JTA 87/20.
13. RJTJESP 124/275.
14. RT 788/275.
15. TFR-6ª Turma, Ag. 48.669-PR, rel. Min. Miguel Ferrante, j. 25.2.87, DJU 2.4.87, p. 5.725.
16. RF 288/241.

Informações Bibliográficas

SANDRO, Alex Ribeiro.Arrematação e adjudicação de bem imóvel:classificação quanto à origem e seus efeitos. In: Jus Navegand, DF, 07/02/2002 [Internet].
Disponível em http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3301. Acesso em 04/04/2010.

Postado por Sancho Neto

Registro de Imóveis X Custo Brasil por Luiz Gustavo Leão Ribeiro




  



Tem-se veiculado, recentemente, alguns artigos apressados afirmando que o sistema registral imobiliário brasileiro representa mais um elemento do chamado “custo Brasil”. A nosso sentir, “custo Brasil” refere-se a todos os custos desnecessários, desproporcionais ou irracionais que dificultam o desenvolvimento, na medida que oneram sem medidas a produção, retirando-lhe o caráter competitivo, tão caro em uma economia globalizada. 

Vejamos alguns exemplos. Ninguém imagina um Estado sem um sistema tributário. Os tributos são custos necessários e imprescindíveis para a manutenção do Estado, da sociedade e, portanto, da própria cadeia produtiva de uma Nação. Mas, na medida em que o sistema tributário é injusto, desproporcional, excessivamente alto, passa a ser considerado um elemento nocivo à produção e à competitividade de nossos produtos. Da mesma maneira não há sistema produtivo no mundo que não agregue em seus custos o transporte, que não é, em si, elemento desestimulador ou impeditivo do progresso e desenvolvimento. Ocorre que, na medida em que a infraestrutura de transportes de um país é deficiente, com estradas insuficientes e extremamente mal conservadas, tem-se um custo adicional que é perfeitamente evitável e profundamente prejudicial para a produção e competitividade dos produtos. Tem-se, portanto, um “custo Brasil”. 

Parece claro que nem todo custo, por si só, pode ser considerado como “custo Brasil”. Não é porque existe um custo que este seja prejudicial ao desenvolvimento social e econômico do país. Tributos são um custo – tributos injustos e desproporcionais são um “custo Brasil”. Transporte é um custo – transporte por estradas esburacadas e insuficientes é um “custo Brasil. 

E o Registro de Imóveis? Pode ser considerado um elemento do “custo Brasil”? 

Todos os países do mundo, que vivem em uma economia de mercado, sejam mais ou menos desenvolvidos, possuem algum tipo de registro imobiliário. Desta forma, pode-se afirmar com convicção que um sistema registral imobiliário é imprescindível e absolutamente necessário, inerente a uma economia de mercado. 

O mundo conhece basicamente três sistemas registrais: o seguro de títulos (EUA), o sistema de registro de documentos (França) e o registro de direitos (Alemanha, Espanha e Brasil).

Todos os sistemas visam o mesmo objetivo, qual seja, colimar a segurança jurídica necessária para garantir a estabilidade do tráfego imobiliário. O sistema brasileiro é suficiente para conferir total segurança sobre a identificação da titularidade do imóvel e dos gravames que recaem sobre o mesmo. 

Não há necessidade de se recorrer a nenhum outro mecanismo paralelo para busca de segurança jurídica. Já os sistemas americano e francês não garantem a segurança desejável, sendo necessária a complementação com fatores externos, como o seguro de título, presente em toda transação imobiliária nos Estados Unidos, além de tornarem excessivamente caros os custos da informação.

Por este motivo, nosso sistema representa os menores custos. Veja-se a seguinte comparação dos
custos totais da transação de um imóvel de US$ 75,000.00 (sem os impostos de transação) nos diversos sistemas, segundo publicação de 1997 da Universidade de Barcelona: 
a) EUA: US$ 1,593.00;
b) França: US$ 1,047.00; 
c) Espanha: US$ 468.00. Em Brasília, a mesma transação imobiliária, a preço de março de 2003, teria o custo de R$ 760,00 (incluindo o custo da escritura pública e do registro de imóveis), o equivalente a US$ 223.00. 
Verifica-se, com clareza, que os dois países que possuem o sistema de registro de direitos são exatamente os dois que apresentam os menores custos.
O sistema americano traz agregado o seguro de título, que como todo seguro, deve ser renovado anualmente. Assim, se a mesma pessoa permanecer por cinco anos como proprietária de um imóvel, o custo do sistema americano, apregoado por muitos como um modelo a ser seguido, subirá para US$ 3,693.00, enquanto que o custo brasileiro permanecerá nos mesmos US$ 223.00. Passados 10 anos, teremos um custo de US$ 6,318.00 contra os mesmos US$ 223.00. 

E o pior ainda está por vir: mesmo pagando todo este custo, o americano não tem a certeza e garantia de seu direito de propriedade como nós brasileiros possuímos, graças ao nosso sistema registral.
A única garantia do americano é que será indenizado pelo seguro quando perder sua propriedade. 

Deveriam os defensores deste sistema, além de enxergar os custos de maneira séria e honesta, perguntar aos brasileiros quantos gostariam de trocar seu imóvel, a sua casa, por uma indenização da companhia de seguros. 

As deficiências e ineficácia do sistema anglo-saxão são tão grandes e evidentes que a Inglaterra recentemente tratou de desenvolver um sistema de registro com bases mais sólidas de segurança jurídica, sendo seguida inclusive por alguns Estados dos EUA, que já vêm adotando outro sistema. 

Trata-se, evidentemente, de um sistema ineficaz, de efeitos débeis, em franca decadência, que interessa exclusivamente às companhias de seguro. 

Nosso sistema de registro de imóveis, antes de se constituir num “custo Brasil”, é um importante e imprescindível instrumento de desenvolvimento econômico. 

É a base de segurança do tráfego imobiliário, permitindo o crescimento da indústria da construção civil. É a garantia da estabilidade e da confiabilidade das garantias hipotecárias, imprescindíveis ferramentas para o tráfego financeiro e a diminuição dos custos do dinheiro, tão importantes para o desenvolvimento nacional. 

Assim, nosso sistema registral imobiliário na verdade diminui o custo das transações imobiliárias, ao diminuir o custo da informação e garantir a certeza jurídica absoluta desta, não sendo, evidentemente, mais um “custo Brasil”, mas um “exemplo Brasil”, exemplo da inteligência e qualidade do povo brasileiro, que foi capaz de produzir um sistema de registro que é hoje modelo para o mundo.


* Luiz Gustavo Leão Ribeiro, Registrador Imobiliário do Distrito Federal.

Informações Bibliográficas

GUSTAVO, Luiz Leão Ribiero. In: Registro de Imóveis X Custo Brasil por Luiz Gustavo Leão Ribeiro - BSB- DF, 73, 14/06/2003 [Internet]. Disponível em http://www.anoregdf.com.br/pagina/artigos_exibe.asp?id=3. Acesso em 04/04/2010.


 Postado por Sancho Neto


sábado, 3 de abril de 2010

Sistema Eletrônico de Averbação e Cancelamento de Penhora de Bens Imóveis



Direito Imobiliário
Sistema Eletrônico de Averbação e Cancelamento de Penhora de Bens Imóveis

Autor
Márcio Rachkorsky

"Com bastante entusiasmo transcrevi alguns trechos da corajosa e pioneira decisão da Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo"

Recente decisão (*) do Excelentíssimo Corregedor Geral de Justiça de São Paulo, Dr. Gilberto Passos de Freitas, publicada no DOE de 09/08/2.007, representa grande e importante avanço operacional, hábil a possibilitar uma execução mais célere, premiando sobretudo os  advogados que atuam no mercado imobiliário. A decisão autoriza a operação do sistema eletrônico de averbação e cancelamento de penhora de bens imóveis nas serventias prediais (penhora on line), em caráter experimental, pelo prazo de 06 (seis) meses, na capital de São Paulo.

O uso de meio eletrônico na comunicação oficial de atos processuais está expresso no § 2º do art. 154 do Código de Processo Civil: "Todos os atos e termos do processo podem ser produzidos, transmitidos, armazenados e assinados por meio eletrônico, na forma da lei." Especificamente em matéria de penhora de bens imóveis, dispôs o legislador processual, com a edição da Lei n. 11.382/2006, que "Obedecidas as normas de segurança que forem instituídas, sob critérios uniformes, pelos Tribunais, a penhora de numerário e as averbações de penhoras de bens imóveis e móveis podem ser realizadas por meios eletrônicos" (art. 659, § 6º, do CPC).

(*) Penhora on line. Arisp - CRSEC - Central Registral de Serviços Eletrônicos Compartilhados. Icp-Brasil Certificação digital. Registro de Imóveis - Sistema eletrônico de averbação e cancelamento de penhora de bens imóveis nas serventias prediais, denominado "penhora on line" - Admissibilidade, especialmente diante do prescrito no artigo 659, § 6º, do CPC, com a redação dada pela Lei nº 11.382/2006, obedecidos os requisitos da autenticidade, integridade, validade jurídica e interoperabilidade da Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil (art. 154 do CPC) - Autorização para implantação do sistema pela Central Registral de Serviços Eletrônicos Compartilhados da ARISP, em caráter experimental e sob acompanhamento, com indicação das diretrizes elementares de sua estruturação. PROCESSO CG Nº 888/2006 - CAPITAL - CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA (nº264/2007-EDEGE-2.1)
 
A decisão em tela, extremamente fundamentada, embasada em brilhante parecer dos Juízes Auxiliares da Corregedoria Geral da Justiça, Dr. Álvaro Luiz Valery Mirra e Dr. Vicente de Abreu Amadei,  define diretrizes elementares de estruturação do sistema eletrônico de averbação e cancelamento de penhora de bens imóveis nas serventias prediais (penhora on-line), quais sejam                                                   :

1) O sistema computacional e o fluxo eletrônico de informações deverão atender aos padrões de autenticidade, integridade, validade e interoperabilidade da Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileiras - ICP-Brasil, bem como as determinações e normas de segurança que forem instituídas pela Corregedoria Geral da Justiça, no curso da implantação e da operação do sistema                                                ;
2) A via eletrônica da "penhora on line" não é substitutiva da via tradicional, mas apenas facultativa, cabendo a opção ao Juízo do processo                                                                        ;
3) A utilização do novo sistema deverá prever mecanismos de protocolização digital, com datação e carimbo de tempo oficial dos documentos eletrônicos, sem prejuízo do protocolo oficial em cada unidade de serviço predial, com a integração necessária e mecanismos destinados ao respeito dos prazos legais de registro                                 ;
4) Todos os documentos eletrônicos que transitarem no fluxo de informações da "penhora on line" deverão ser assinados digitalmente, com vinculação a uma autoridade certificadora, no âmbito da Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil)                    ;
5) A assinatura digital nos títulos eletrônicos referentes à constrição judicial (quer para penhora, quer para seu cancelamento) poderão ser do Juiz do processo ou do respectivo Diretor de Serviço do Ofício Judicial;
6) O sistema deverá contar com módulo de geração de relatórios, para efeito de contínuo acompanhamento, controle e fiscalização pela Corregedoria Geral da Justiça, inclusive à distância                                ;
7) Emolumentos e despesas devidos, por força de lei e nos limites da previsão em Tabelas de Emolumentos, poderão ser pagos eletronicamente;
8) Os custos e responsabilidades referentes às contratações, ao desenvolvimento, implantação e operação do sistema em foco, ficarão a cargo da Associação dos Registradores de Imóveis de São Paulo (ARISP)                  .
No brilhante relatório, os MM Juízes Auxiliares asseveram que "as recentes reformas na legislação processual civil, em prosseguimento àquelas iniciadas no ano de 1994, tiveram por objetivo explícito e declarado dotar o processo civil brasileiro de maior celeridade e eficiência. Para tanto, entre outras inúmeras providências, pretendeu-se a modernização do sistema processual por meio da utilização da tecnologia da informação. Nesse sentido, dispôs a Lei n. 11.419/2006 sobre a "informatização do processo judicial", com a regulamentação do uso de meios eletrônicos na tramitação, comunicação e transmissão de atos processuais, prevendo o que se passou a denominar de processo eletrônico."
Asseveram ainda que "A maior preocupação, no caso, relativamente à penhora on line, está na garantia da pronta anotação da constrição judicial à margem da transcrição ou na matrícula de imóveis, com observância rigorosa, ainda, da ordem de chegada das certidões eletrônicas, na hipótese de diversas penhoras sobre o mesmo bem. Isso porque, nos termos do § 4º do art. 659 do CPC, a averbação da penhora no registro imobiliário implica presunção absoluta de conhecimento por terceiros da constrição judicial, para a eventualidade de alienação do bem constrito, considerada a mais grave das fraudes cometidas contra a execução. A relevância da averbação, no caso, está em afastar a possibilidade de alegação de boa-fé do adquirente, pelo desconhecimento do ato, evitando-se, a partir daí, o sacrifício dos interesses do credor exeqüente em prol daquele." Para bem elucidar a matéria, citaram a lição de  Cândido Rangel Dinamarco:
   
A jurisprudência é todavia extremamente cautelosa em relação ao adquirente de boa-fé: multiplicam-se os julgados que preferem sacrificar o credor, resignando-se os tribunais diante do ultraje cometido sempre que o adquirente não tivesse conhecimento da pendência processual e havendo atuado com a diligência ordinária exigível ao homem comum. Um dado objetivo muito confiável, que sempre deve ser levado em conta, é o registro da penhora, ao qual o art. 659, § 4º, do Código de Processo Civil atribui o efeito de gerar perante terceiros a presunção absoluta do conhecimento desta (...). Cumprida essa providência, o credor está a salvo de qualquer alegação de desconhecimento, a ser feita pelo adquirente, mas isso não significa que a falta do registro da penhora permita sempre a plena eficácia do ato de alienação ou oneração do bem: nesse caso, como a boa-fé se presume e a fraude não, tem ele o ônus da prova do conhecimento da penhora pelo adquirente (...)" (Instituições de direito processual civil, vol. IV. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 398-399).

Com bastante entusiasmo transcrevi alguns trechos da corajosa e pioneira decisão da Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo, para fomentar nos operadores do direito, a tomada de decisões no sentido de tornar mais célere a aplicação da Justiça, um ideal que jamais devemos abandonar, por mais utópico que possa parecer !       

Informações Bibliográficas

Rachkorsky,  Marcio. Direitos humanos e sua proteção internacional. In: Jornal Carta Forense,  12 de setembro de 2007 [Internet]. Disponível em, http://www.cartaforense.com.br/Materia.aspx?id=892. Acesso em 04/04/2010. 

Postado por Sancho Neto
 



Caução de Imóveis











Caução de imóveis
Mario Pazutti Mezzari*
Muito se fala em "caução de imóveis", especialmente depois do advento da Lei nº 8.245, de 18 de outubro de 1991, a atual Lei de Locações. É que a partir desta lei, expressamente passou-se a admitir que imóveis garantissem o pagamento das obrigações decorrentes do contrato de aluguel. 
O imóvel é excelente garantia, sempre o  foi. A nova Lei de Locações inovou apenas ao prever a garantia imobiliária para escudar os contratos de locação, mas remeteu  (ou deixou) todo o demais para a lei civil (tipificação do di reito real, instrumentalização e constituição da garantia). 
As propostas deste trabalho são analisar:  
1) como se tipifica a garantia (caução) imobiliária;       
2) como se instrumentaliza o título tendente à constituição da garantia; e 
3) como efetivamente se constitui esta garantia.  [continua aqui] 
Caução
Caução é o gênero dos direitos de garantia. Caução é sinônimo de garantia. Caução de imóvel não existe como direito; é plural de di reitos. Caução  real não é instituto jurídico, é coletivo deles.
Quando a lei se refere a “dar em caução”, “constituir caução”, quer dizer o mesmo que “dar em garantia”, “constituir garantia”. E cabe aos contratantes – ou ao juiz, nas cauções judiciais forçadas – estabelecer qual o tipo de garantia: hipoteca, anticrese, penhor,  fiança, caução de t ítulos ou di reitos etc. 
A caução “não é figura específica no direito processual, pois sua presença se encontra, frequentemente,
nos mais variados ramos do direitos e até sob a forma de cláusulas contratuais  em negócios privados e públicos. Sempre que se impõe ou se dá garantia de cumprimento do pactuado, do prometido ou do
determinado, depara-se com a figura jurídica da caução”. (Humberto Theodoro Júnior, in Processo Cautelar, Universitária de Direito, 10ª ed., nº 211, pp. 255-256). 
As cauções podem ser reais ou pessoais, estas também chamadas fidejussórias. Quando a caução
(portanto quando a garantia)  for  real, deve ela consubstanciar-se em um dos direitos reais de garantia
existentes no Direito Positivo Brasileiro - hipoteca e anticrese quando o bem for imóvel; penhor, quando o bem for móvel.
“A caução, segundo nos ensina DE PLÁCIDO E SILVA, em seu Vocabulário Jurídico, é termo genérico, complementar a uma relação jurídica principal  (...)No sentido lato engloba a hipoteca, o penhor e a anticrese, que são os direitos reais de garantia disciplinados pelo Código Civil. ” (Sylvio Capanema de Souza, in Da Locação do Imóvel Urbano, Forense, 1999, p. 234). 
É no léxico que encontramos outras definições de caução: 
Caução. (di r. proc. civ.) Nos casos em que no decorrer de um processo haja necessidade de caução de uma das partes, ela será prestada mediante hipoteca, depósito, fiança ou penhor. Prevenção. Precaução. 
Caução. (di r. civ.) Garantia de terceiro para pagamento de uma obrigação do devedor. Pode ser real,
quando recai sobre bens móveis ou imóveis (penhor, anticrese, hipoteca, jóias, títulos, dinhei ro, valores), ou fidejussória  (mediante fiança pessoal). Pode ser representada também por direitos. A caução de di reitos ou de títulos de crédito é considerada modalidade de penhor. Os direitos caucionados podem ser de natureza real ou obrigacional. (Leib Soibelman, in Enciclopédia do Advogado, Thex).  Beira a exaustão a  forma pela qual os autores enfatizam a diferença entre caução – termo genérico que não corresponde a nenhum di reito de garantia específico, e o  direito  real em espécie (hipoteca, penhor, anticrese).
“A caução, em sentido lato, significa garantia.  (...) Diante da multiplicidade de natureza e conteúdo que a caução pode assumir, é possível classificá-la da seguinte maneira: a) cauções legais; b) cauções negociais;
c) cauções processuais.” (...)
“As cauções negociais constituem-se na garantia que uma parte dá à outra do fiel cumprimento do contrato ou um negócio jurídico. São exemplos típicos dessa caução o penhor, a hipoteca e a fiança  (...)”. 
“Já vimos, ao iniciarmos o estudo da caução, que caução é garantia. Aquele que for obrigado a prestar
caução pode oferecer a garantia que melhor lhe convenha, desde que aceita pela outra parte e considerada idônea pelo juiz”. (...)
“E o imóvel, pode ser oferecido em garantia e, portanto, em caução?” 
“Sem dúvida que sim. Oferecido um imóvel em garantia para ser objeto de caução, a roupagem jurídica que a caução se constituirá é a hipoteca.” (Elvino Silva Filho, Medidas Cautelares no Registro de  Imóveis, in Revista de Di reito Imobiliário 22, p. 7 e ss.).  
E não se diga que o contexto da Lei do  Inquilinato é outro. Não se afirme que aquela lei  “criou” novo instituto, novo di reito real de garantia, somente porque em seus artigos 37 e 38 refere -se à possibilidade de ser oferecida caução de imóvel como garantia locatícia. É claro que pode haver caução de imóvel, desde que escolhido o direito  real correspondente – hipoteca, ao que tudo indica, mas também a anticrese, se assim o quiserem as partes. 
Os autores mais renomados que já fizeram a análise da questão afirmam: caução real não é um direito real, é o coletivo dos direitos. Para que não se fique somente na nossa palavra, vejamos:
“Na Lei de Locações (Lei nº 8.245, de 18-10-1991), há indicação das garantias locat ícias, entre elas a fiança, o seguro de fiança locatícia e a caução sobre bens móveis e imóveis. Esta última, a caução
imobiliária, é direito real de hipoteca.” (Tupinanbá Nascimento, in Hipoteca, Aide, 2ª ed., 1996, p. 12). 
Ou, nas palavras do  festejado Desembargador Sylvio Capanema de Souza, a quem mui justamente se
atribui a autoria dos melhores estudos preliminares que culminaram com a edição da atual Lei de Locações: 
“Poderá, ainda, o locatário oferecer em garantia bens imóveis, seus ou de terceiros, o que equivale à
hipoteca. ” (Sylvio Capanema de Souza, in A Nova Lei do Inquilinato Comentada, Forense, 3ª ed., 1993, p.
149).
A propósito dessa mani festação de Sylvio Capanema de Souza, trago aqui uma indagação que parece estar
bem no cerne da questão discutida:  
Há quem afirme que o legislador quis criar mecanismos jurídicos “mais fáceis, menos burocratizados”, para que  fossem constituídas as garantias dos contratos de locação. E, para tornar mais  fácil, menos burocrático,
teria admitido a “caução imobiliária” constituída no próprio instrumento do contrato de locação, portanto admitindo que o fosse por instrumento particular, e ainda mais, querendo que o ato registral fosse  também eventualmente mais simplificado, de averbação e não de registro.  
A estes lanço o repto: se o próprio mentor intelectual da nova lei nega tudo isto, se é o próprio Sylvio
Capanema de Souza, do alto de sua autoridade intelectual, quem diz que a caução imobiliária da lei do
inquilinato  deve ser hipoteca e que deve ser celebrada em escritu ra pública, qual é mesmo a tal “vontade do legislador” de que falam? O articulador da lei não quis nada assim, eis que, imediatamente após a edição da lei, brinda o mundo jurídico nacional com duas formidáveis obras sobre a matéria, e nas duas é enfático em dizer que a caução imobiliária deve ser por escritura pública de hipoteca? 
Mas mesmo que se admita que o legislador quisesse criar nova modalidade de garantia real  – a caução imobiliária; mesmo que ele quisesse que essa garantia pudesse ser  formalizada em instrumentos particulares; e mesmo que ele quisesse alterar a Lei dos Registros Públicos – mesmo que tudo isso ele quisesse, nada disso ele  fez. A lei do inquilinato  não cria nenhum novo instituto de garantia real imobiliária e, portanto, nenhuma exceção à regra do art. 108 do novo Código Civil (matéria à época regrada pelo artigo 134, II, do antigo Código Civil ). A lei do inquilinato não traz qualquer modificação no  rol dos di reitos reais nem produz outras alterações na legislação atinente ao registro imobiliário que não aquelas expressamente previstas. Como diz Pontes de Miranda,   
“O sentido [da lei] é o que está na lei, conforme o sistema jurídico, e não o que se atribui ao legislador ter querido, nem à lei querer agora (...)” Se o legislador A ou os legisladores A, A‟ e A‟‟, quiseram a e todos os outros legisladores quiseram b, mas o que foi aprovado e publicado foi c, c é que é a regra jurídica.
Então, não importa o que o legislador queria, mas o que ele editou. Prossegue o mestre:  
“Os trabalhos preparatórios são, portanto, elemento de valor mínimo. O que foi publicado é a letra da lei, om as suas palavras e frases. Tem-se de interpretar, primeiro, gramaticalmente, mas já aí as palavras podem revelar sentido que não coincide com o do dicionário vulgar”.  (Pontes de Miranda, in Tratado de Direito Privado, prefácio, p. XI e XII).
Ora, se nem mesmo a vontade do legislador é relevante, o que dizer quando nem mesmo essa vontade
existiu? Como deduzir, inferi r, imaginar que o legislador quis o que ele não quis, e que mesmo se tivesse querido não o fez e que, por isso, não é lei. 
Mas, prossigamos!
Maria Helena Diniz, ao examinar o disposto no artigo 38 da Lei do Inquilinato, diz:
“O artigo sob examine cuida da caução real como garantia da locação. A ideia de caução real liga -se ao patrimônio ou aos bens do próprio devedor ou de outrem. Esta caução se dará quando o próprio devedor, ou alguém por ele, destina todo ou parte de seu patrimônio para assegurar o cumprimento da obrigação contraída. Se incidir sobre bem móvel do locatário, ter-se-á penhor, se recai r sobre imóvel seu, configurar-se-á a hipoteca, e se disser respeito ao usufruto desse imóvel, constituir -se-á anticrese”. (Maria Helena Diniz, in Lei de Locações de Imóveis Urbanos Comentada,  Saraiva, 3ª ed., 1995, p. 137). 
Portanto, evidencia-se que não estamos em face de um novo di reito  real – caução imobiliária, senão que ante a previsão genérica de utilização da garantia  real imobiliária  estendida agora aos contratos de locação. 
É que os direitos reais, e aqui nos interessam especialmente os imobiliários, são criados por lei, necessitam de lei que os defina e a eles confira efeito jurídico, e por isso mesmo se diz que são numerus clausus. São fechados no rol expresso da lei. A maioria dos direitos reais imobiliários encont ram-se no Código Civil – a propriedade, o maior deles; uso, usufruto, habitação, e enfiteuse; e os direitos reais de garantia: hipoteca e anticrese. Outros direitos reais são encontrados em legislação esparsa, como é o caso da caução dos direitos decorrentes de alienação de imóveis, da cessão parcial ou da cessão  fiduciária desses direitos (decreto-lei 70, de 21/11/1966) e mais modernamente a propriedade fiduciária (lei 9.514, de 20/11/1997) e o direito de superfície  (Estatuto da Cidade e novo Código Civil). Todos eles têm em comum o fato de decorrerem de lei expressa, que os criou, regrou e que a eles atribui o caráter de di reito real. 
Isso não acontece com a caução imobiliária. Não foi criada como direito real nem  foi regrada como tal. Ela aparece na legislação pátria exatamente no sentido genérico como, por exemplo, no Código de Processo Civil (art. 826 e ss.) e na Lei de Locações (arts. 37 e 38). Na lei processual, já no art. 826 se diz que a caução pode ser real ou  fidejussória. E no artigo 827 cita a hipoteca como um dos possíveis modos de obter-se caução real. Portanto, é a própria lei processual que reconhece que caução é o coletivo, é o plural, das garantias, que em espécie podem ser constituídas de hipoteca, anticrese, penhor etc. E na Lei de Locações não é di ferente, como estamos procurando demonstrar ao longo deste trabalho. 
Falar-se em “caução de imóvel ” guarda semelhança com  falar-se em “alienação de imóvel”. Em ambos os casos, temos o gênero. É possível dar-se um imóvel em caução como é possível alienar-se um imóvel. Mas logo após essa constatação, veremos que há que se decidir sobre qual espécie de caução (hipoteca, anticrese, propriedade fiduciária) ou de alienação (compra e venda, permuta, doação, dação em pagamento etc.) se está tratando.  
Pela compreensão que temos dos contratos de locação e de sua necessidade de garantias, podemos
afi rmar que a garantia imobiliária – a caução imobiliária – que mais se adéqua a esses contratos é a
hipoteca. 
Como bem afirmou o desembargador Décio Antonio Erpen (no item “A locação e a caução” em trabalho publicado pelo Instituto de Registro de Títulos e Documentos e Pessoa Jurídica do Brasil),  “em se tratando de caução, incidem as normas que regem a hipoteca e o penhor. Em se cuidando de imóvel, há que se elaborar escritura de hipoteca, com o registro no Registro Imobiliário”.   Há quem afirme que a caução imobiliária efetivamente não é um “di reito  real ”, mas que deve ser reconhecida como um “ônus real ”, a incidir sobre o imóvel sem contudo estabelecer di reito típico. Guardaria esse “ônus real ” semelhança com outras situações jurídicas que, embora não sendo di reito real, são levadas à matrícula do imóvel para gerarem efeitos contra tercei ros. Seriam exemplos desses “ônus reais” as cláusulas de inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade; a cláusula do bem de família; a indisponibilidade de bens decretada contra instituições financeiras e seus co-responsáveis; a
indisponibilidade de bens decorrente de determinação judicial, etc. E que, à semelhança  desses “ônus
reais”, a caução imobiliária seria passível de averbação na matrícula do imóvel. 
A esses gostaríamos de lembrar que todos os exemplos de  “ônus reais” citados como similares à caução imobiliária estão  regulados em lei e seus efeitos são perfeitamente conhecidos pela própria lei.
Inalienabilidade signi fica que o imóvel não pode ser alienado. Indisponibilidade significa que o titular perde a disposição do direito sobre o imóvel. E assim sucessivamente. Mas, quanto à caução imobiliária, admitindo-se que ela exista como instituto jurídico independente, quais seriam os efeitos de seu lançamento na matrícula do imóvel? 
Admitida a averbação da caução  imobiliária, geraria ela algum direito para o credor?  
Por exemplo, a averbação da caução tornaria o bem indisponível para o prestador da “garantia”? A resposta é não, eis que mesmo os imóveis hipotecados permanecem disponíveis, vale dizer, podem ser alien ados – exceção feita às hipotecas cedulares.
Ou então, essa averbação geraria seqüela – a garantia do crédito seguindo o imóvel – caso o bem seja
alienado pelo  “caucionador”, como acontece na hipoteca ou na anticrese? A resposta é  firmemente não, o credor não poderia fazer valer seu di reito decorrente da “caução imobiliária” contra o adquirente, porque tal efeito – seqüela – somente pode decorrer da natureza jurídica do instituto de garant ia adotado, e como já vimos, a “caução imobiliária” não tem natureza jurídica própria. 
Outra questão: geraria a caução averbada a presunção de má-fé do terceiro que adqui risse o imóvel,
estando lançado na matrícula que o bem foi dado em “caução”? A questão é discutível, mas parece-nos que o saber que alguém tem um “falso direito” decorrente da equivocada averbação da  “caução”, não faz dele um adquirente de má-fé. Se não decorre di reito real da averbação da “caução”, por que o terceiro adquirente deveria respeitá-la? Não há nada para  respeitar. É uma questão de precedência de direito, o real (do terceiro adquirente) sobrepondo-se ao pessoal (do credor, não assegurado por garantia real). 
Afinal, qual o “efeito efetivo”, qual a eficácia jurídica da averbação da caução imobiliária na matrícula do imóvel?  
Ou ainda mais, qual o credor que aceitará como garantia algo que não o garante, que não gera para si
direito real? Como pensar em caução se ela não gera garantia? A averbação da “caução”, como tal, gera apenas a ilusão de garantia e contra essa ilusão devem rebelar-se todos, e mais especialmente o
registrador de imóveis, a quem incumbe gerar segurança jurídica e paz social. 
Cremos que à saciedade está demonstrado que o legislador, ao falar em caução, referiu-se ao gênero,
deixando às partes a escolha da espécie que mais se adequasse aos seus interesses.[1]
A forma do título Estabelecido que estamos frente a um direito real em espécie – hipoteca ou anticrese em se tratando de caução imobiliária – incide a regra do artigo 108 do novo Código Civil, que exige escritura pública para a formalização do ato, salvo se for de valor inferior a 30 vezes o maior salário mínimo nacional. 
Ora, muito di ficilmente será exigida garantia real imobiliária para contrato de valor tão baixo (30 vezes o maior salário mínimo nacional ). Portanto, pode-se afirmar sempre incidirá a regra geral a exigi r escritura pública notarial para a instrumentalização da garantia. 
A Lei de Locações não criou exceção à regra do artigo 134, II, do antigo Código Civil, ou seja, não afastou a exigência do ato notarial. Da mesma maneira, não afasta a regra do artigo 108 do atual Código Civil. 
A respeito das exceções à regra hoje insculpida no artigo 108 do CC, é bom lembrar que o corpo de leis brasilei ras está prenhe de situações onde o legislador concedeu ao instrumento particular a condição de “forma jurídica” apta a instrumentalizar contratos tendentes a criar di reitos reais. As exceções ao art. 134, II, do anterior CC – e, portanto, ao artigo 108 do atual CC –, que começaram com os contratos de promessa de compra e venda (decreto-lei 58/37), hoje atingem as hipotecas cedulares, a propriedade fiduciária e muitos outros.  Mas é preciso repeti r: a Lei de Locações não concedeu ao instrumento particular a condição de “forma prescrita” para formalizar o contrato de constituição da caução imobiliária. E se não foi criada nova exceção, vale a regra geral: necessária é a escritura pública notarial. 
O desembargador Sylvio Capanema de Souza, em outra obra sobre o mesmo tema, ensina: 
“Poderá, ainda, o locatário oferecer em garantia bens imóveis, seus ou de terceiros, o que equivale à
hipoteca. Neste caso, exige a lei a forma pública, para sua constituição. Se o contrato de locação  revestir -se da forma particular, como ocorre normalmente, a caução do imóvel exigirá instrumento à parte, solene. Daí ser recomendável que tanto a locação quanto a caução adotem a forma pública”. (Sylvio Capanema de Souza, in Da Locação do Imóvel Urbano, Forense, 1999, p. 234). 
Ou então: 
“A caução em bens imóveis deverá ser feita mediante de uma escritura pública ... ” (Kênio de Souza Pereira, Imóvel Dado em Caução Garante Aluguel, in Revista do Diário das Leis Imobiliário, n. 10, de abril de 1999, pp. 5/6).  
Assim, ainda que conste no contrato de locação a constituição de um di reito real determinado  – uma caução determinada – como a hipoteca ou anticrese, deverá dita garantia formalizar-se por escritura pública, salvo, é bem verdade, se o valor garantido for ínfimo (inferior a 30 vezes o maior salário mínimo nacional), o que dificilmente ocorrerá, como já afirmamos. 
Registro da garantia O direito  real – hipoteca ou anticrese – consubstanciado em escritura pública, salvo o contrato de valor ínfimo excepcionado no artigo 108 do atual CC, deverá ser objeto de registro e não de averbação, como equivocadamente o legislador dispôs na Lei de Locações, porque a lei que rege o registro imobiliário exige registro.  
A Lei dos Registros Públicos (6.015/73) é lei especial e somente por outra lei especial poderia ser  revogada.
A LRP não autoriza que direitos reais sobre imóveis sejam objeto de averbação, senão que de registro em sentido estrito. 
A propósito, vejamos o que diz Elvino Silva Filho: 
“A Lei dos Registros Públicos, no Título referente ao Registro de Imóveis, apenas uma vez se refere a
„caução‟; é no art. 167, II, item 8, ao elencar os casos de averbação „da caução e da cessão fiduciária de direitos relativos a imóveis‟. ”
“A colocação da caução de direitos relativos a imóveis, no elenco das averbações, tem levado a erros,
inclusive em decisões de jurisprudência, de se determinar que a „caução de imóvel ‟ seja averbada na
matrícula e não objeto de registro, como seria o certo, e como passaremos a demonstrar. ”
“Há que ser feita uma distinção entre caução do imóvel e caução de direitos relativos a imóveis. 
A caução do imóvel, garantia que se oferece para o cumprimento de uma obrigação ou de um dever legal ou convencional, somente se constitui mediante hipoteca. 
O proprietário, que ofereça um imóvel, na sua totalidade,  na plenitude e seu direito do „jus in re‟, para garantir o cumprimento de uma obrigação, está constituindo, inegavelmente, a favor do credor, um direito real de garantia sobre o seu imóvel. Esse direito  real de garantia, outro não é, especificamente, do que a hipoteca  (art. 827, do Código de Processo Civil). 
E a hipoteca, como os outros direitos reais sobre a coisa alheia  (jura in re aliena), só se constitui pela
inscrição no Registro de Imóveis. Jamais, por averbação. 
(...)
Conclui-se, assim, que a caução que é objeto de averbação é a caução de di reitos relativos a imóveis, pois a caução do próprio imóvel, a garantia do domínio, do direito de propriedade na sua integridade, do „jus in re‟, tem instituto próprio para se formalizar que é a hipoteca, e, consequentemente, é objeto de registro no Registro de Imóveis”. (Elvino Silva Filho, As Medidas Cautelares no Registro de Imóveis, in Revista de Direito Imobiliário 22, RT, p. 7 e ss.). Conclusões  1. A caução de imóvel prevista na Lei de Locações e no Código de Processo Civil, deverá aperfeiçoar -se em hipoteca ou anticrese; 
2. É da essência do ato a escritura pública notarial, à luz do que determina o art. 108 do Código Civil, salvo para os contratos de valor inferior a 30 vezes o maior salário mínimo nacional; e
3. O ato a ser praticado junto ao Registro de Imóveis, para a constituição da garantia, é de  registro,
conforme exige o art. 167, I, 2 e 11, da lei 6.015/73.[2] Notas
[1] Chamo a especial atenção para o estudo de autoria de Narciso Orlandi Neto, desembargador
aposentado e advogado em São Paulo, publicado no Boletim de  Direito Imobiliário 3, 3º decêndio, jan./2003,
p. 6 e 7), intitulado “A Caução dos Contratos de Locação”. 
Conclui o renomado jurista que “... a entrada das cauções no Registro de Imóveis constitui um engodo (gri fei ), porque elas não garantem o locador, nem oneram o bem do inquilino, ou do terceiro que presta a “garantia””. ... “Aquele que presta a caução de bem imóvel não está impedido de alienar o bem, nem aquele que adquire está sujeito a suportar uma penhora, na execução dos encargos da locação. Com a al ienação, isto é, com a saída do bem do patrimônio do devedor ou do terceiro, desaparece a “garantia”, que, na verdade, sempre foi apenas e tão somente um “depósito” não disciplinado adequadamente.” [2] Essas teses foram defendidas pelo autor no Processo de Dúvida 2200529818, no Juizado da Direção do Foro de Pelotas, onde ocorreram os seguintes: 
Parecer do Ministério Público  (Dr. Jaime Nudilemon  Chatkin): “Procede a dúvida suscitada pelo oficial. Com efeito, há pouco a se acrescentar ao que já foi argumentado na petição de fls. 2/7. O título não se mostra suscetível de registro em face da não-especificação do direito real a ser instituído e pela vedação a que o ônus se formalize em instrumento particular.” (cópia parcial)
Sentença  (Dr. Paulo  Ivan Alves Medei ros): “Assiste razão ao suscitante. O documento particular
denominado "caução locatícia" (fls. 8) não pode ser registrado. Não foi especificado, no aludido documento, o tipo de garantia prestada. Além disso, em se tratando de di reito real, indispensável o  instrumento público.
Daí a impossibilidade de registro da „caução locatícia‟ prestada em documento particular. Por outro lado, a garantia constituída por imóvel deve materializar-se através de hipoteca, sendo da substância do ato a escritura pública, nos termos do art. 134, II, CC.” (cópia parcial).   
*Mario Pazutti Mezzari é registrador de imóveis do 1º Ofício de Pelotas, RS.
Nota do editor
Os impecáveis argumentos do professor nos convidam à reflexão.
Esta pequena nota está dirigida aos candidatos a concurso público em andamento no Estado de São Paulo. No que pese a respeitável opinião do nosso professor-convidado, a Corregedoria-Geral de Justiça de São Paulo e a Vara de Registros Públicos da Capital mantêm o entendimento de que a caução imobiliária é uma garantia at ípica e que o acesso ao Ofício  Imobiliário se dá por ato de averbação. 
Vale a pena cont rapor os argumentos e formar a sua convicção para defendê-la, com conhecimento de causa, seu ponto de vista perante a banca. 
Abaixo, destaco algumas das decisões que confirmam a tese oposta à defendida pelo ilustre Mário Pazutti Mezzari, que abrilhantou a última edição do Curso de Di reito Registral Imobiliário a cargo da Uni registral. 

  Caução - Locação. Ementa: 1. A caução a que refere o art. 37, nº I, da Lei 8.245 de 18-10-91, não se confunde com a garantia hipotecária, tendo características diversas do di reito – real de garantia
previsto no Código Civil. Não tem aquela característica do di reito de sequela, tanto que necessário novo fiador ou substituição da garantia em caso de alienação do imóvel ” (Art. 40, VII da lei citada) e
o ato registrário correspondente é o de averbação (art.38, § 1º). Processo 1ª Vara de Registros Públicos de SP. J. 8/2/1993, Processo 1256/92, São Paulo, Dr. Kioitsi Chicuta.    Locação. Caução de Imóvel. Ementa: 1. Caução de imóvel dado em garantia – A caução de imóvel a que se refere a Lei da locação de prédios de  urbanos (art. 37 e 38 da Lei 8245/91) não torna o imóvel indisponível, podendo, ainda que averbada aquela garantia, ser o mesmo comprometido à venda ou dado em hipoteca. Processo 1ª Vara de Registros Públicos de SP. J. 17/6/1999, Processo 38241-9/99, São Paulo, Dr. Oscar José Bittencourt Couto   Contrato de locação - ato de averbação – caução. Ementa: O contrato de locação pode, no sistema registrário vigente, ser objeto de ato de averbação (caução dada em garantia ao cumprimento do contrato de locação). Data: 9/8/2001, Processo 79729-0/0, São Paulo. 
  Caução - averbação. Locação - exclusividade. Hipoteca. Qualificação tabular. Lei especial  - excepcionalidade. Ementa: REGISTRO DE IMÓVEIS - Garantia cont ratual - Caução em bem imóvel - Averbação - Possibilidade exclusivamente na hipótese de locação  - Previsão excepcional em lei especial (Lei nº 8.245/91, art. 38, § 1º)  - Nos demais casos, deve ser formalizada como hipoteca, passível de registro - Inteligência do art. 167, inciso II, item 8, da Lei nº 6.015/73  - Averbação viável apenas quando a caução incide sobre direitos relativos a imóvel, pois, se incidente sobre o bem em si mesmo, será imperativa, em regra, a feição hipotecária  - Qualificação de acordo com a situação tabular existente ao tempo da apresentação do título  - Recurso provido - Acesso negado. Data: 8/3/2005, Processo CG 110/2005, São Paulo, Dr. José Antonio de Paula Santos Neto. Legislação: Lei nº 8.245/91, art. 38, § 1º; art. 167, inciso II, item 8, da Lei nº 6.015/73 e item 106 do Capítulo XX, Tomo  II, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça.
  Locação predial – caução atípica – averbação. Duplicidade de garantia. Sobreposição. 
Ementa: REGISTRO DE  IMÓVEIS – Averbação de caução atípica no âmbito de locação predial urbana (Lei nº 8.245/91, artigo 38, §1º) – Previsão normativa de exceção que deve ser interpretada restritivamente – Sobreposição e duplicidade de garantias: distinção – Sobreposição reconhecida: locação garantida por  fiança; fiança garantida por caução imobiliária  - Inadmissibilidade da averbação da caução dada em garantia da fiança, por falta de incidência normativa específica ao suporte  fático-titulado apresentado – Eventual quali ficação sob o §1º do artigo 38 da Lei de Locações, que conuz à duplicidade de garantias vedada em lei, sob pena de nulidade (artigo 37, parágrafo único, da Lei nº 8.245/91), que obsta, igualmente, o ato averbatório.  Data: 14/3/2006, Processo CG 1065/2005, São Paulo (14º SRI), Dr. Vicente de Abreu Amadei. Legislação: Art. 37, parágrafo único e art. 38, §1º da Lei nº 8.245/91. 

Informações Bibliográficas

PAZZUTTI, Mario Mezarri. Caução de imóveis . In:  Biblioteca Digital Medicina Animae - SP  01/10/2009 [Internet]. Disponível em http://arisp.wordpress.com/2008/08/17/caucao-de-imoveis/. Acesso em 03/04/2010.


Postado por Sancho Neto