segunda-feira, 23 de agosto de 2010

STJ reafirma princípio da prioridade

STJ reafirma princípio da prioridade


“Prior tempore potior jure”, proclama o princípio da prioridade que informa o registro imobiliário. Quer isto significar, na clássica lição de Afrânio de Carvalho, que “num concurso de direitos reais sobre um imóvel, estes não ocupam todos o mesmo posto, mas se graduam ou classificam por uma relação de precedência fundada na ordem cronológica do seu aparecimento”.
Este princípio, umbilicalmente ligado a outro, o da inscrição, proclama que o direito real só nasce com o registro, e o título que primeiro aceder ao registro é que constituirá o direito, independentemente da ordem cronológica de sua lavratura.
Este pressuposto do bom funcionamento de um sistema registral confiável foi levado tão a sério pelo Superior Tribunal de Justiça, que aquele sodalício, verificando que uma promessa de venda e compra, embora lavrada posteriormente a outra, ingressou primeiro no álbum imobiliário, negou até mesmo a averbação do protesto contra alienação de bens requerida pelo “primeiro” compromissário comprador.
É que, obtendo regularmente o registro, o “segundo” compromissário comprador tornou-se de direito titular do direito de aquisição sobre o imóvel, sendo incabível a irresignação do adquirente desidioso, que não registrou seu título.
Tem meus aplausos efusivos a decisão. É nessa linha hermenêutica que se constrói um sistema registral que realmente atende aos anseios de segurança jurídica da sociedade, e aos postulados das funções social e econômica do registro de imóveis.
Segue decisão na íntegra.
EMENTA
CIVIL. REGISTRO DE IMÓVEIS. AVERBAÇÃO DE PROTESTO CONTRA ALIENAÇÃO DE BENS. Duas sendo as promessas de compra e venda sobre o mesmo imóvel, nada importa qual a respectiva ordem cronológica; produz efeitos aquela que foi inscrita no Ofício Imobiliário, não podendo o outro promitente comprador averbar na matrícula do imóvel a pretensão que possa ter contra o promitente vendedor. Recurso ordinário provido. (STJ – RMS nº 21.479 – MS – 3ª Turma – Rel. Min. Ari Pargendler – DJ 16.05.2008)
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da TERCEIRA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conhecer do recurso ordinário e dar-lhe provimento nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Carlos Alberto Menezes Direito, Nancy Andrighi, Castro Filho e Humberto Gomes de Barros votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília, 07 de agosto de 2007 (data do julgamento).
Ministro Ari Pargendler – Relator
RELATÓRIO
EXMO. SR. MINISTRO ARI PARGENDLER (Relator):
Rogério Queiroz Chaves e Vanele Virgínia Silva Queiroz impetraram mandado de segurança contra ato do MM. Juiz da 3ª Vara Cível de Campo Grande, MS, que deferiu liminar nos autos de protesto contra alienação de bens. De acordo com os impetrantes, tal medida os impediu de alienar imóvel adquirido de Laudelino Lima Neto e Eurides Parreira de Oliveira Neto porque, além de mandar publicar editais, a decisão determinou a averbação do protesto à margem da matrícula imobiliária (fls. 02⁄10).
A egrégia Terceira Seção Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso do Sul, Relator o Desembargador Jorge Eustácio da Silva Frias, denegou a ordem nos termos do acórdão assim ementado:
“MANDADO DE SEGURANÇA – IMPETRAÇÃO CONTRA ATO JUDICIAL QUE DEFERE PROTESTO CONTRA ALIENAÇÃO DE BEM E AUTORIZA SUA AVERBAÇÃO EM REGISTRO DE IMÓVEIS – IMÓVEL ANTES PROMETIDO À VENDA AOS REQUERENTES DO PROTESTO E DEPOIS VENDIDO AOS IMPETRANTES – MEDIDA PRESERVATIVA DE DIREITO QUE SE MOSTRA LEGAL E QUE, ADEMAIS, NÃO OFENDE O DIREITO DE PROPRIEDADE – SEGURANÇA DENEGADA. Sendo legítima a comunicação a terceiros do interesse que promitentes compradores têm sobre o imóvel que depois acabou sendo vendido a terceiros, a fim de cientificar esses terceiros dos riscos que correm com eventual aquisição do bem disputado, é legal o protesto deferido (art. 867, CPC), como proibida não é sua averbação no registro imobiliário. As medidas não ofendem o direito de propriedade, porque não diminuem as faculdades do proprietário (art. 1.228, CCB), especialmente se este, no caso, não indica achar-se em vias de alienar a coisa” (fl. 95).
Daí o recurso ordinário interposto por Rogério Queiroz Chaves e Vanele Virgínia Silva Queiroz com fundamento no artigo 105, II, b, da Constituição Federal, requerendo o cancelamento da averbação feita à margem do registro do imóvel (fl. 101⁄108).
O Ministério Público Federal na pessoa do Subprocurador-Geral da República Dr. Maurício de Paula Cardoso opinou pelo provimento do recurso ordinário (fls. 136⁄140).
VOTO
EXMO. SR. MINISTRO ARI PARGENDLER (Relator):
O voto condutor do acórdão atacado pelo recurso ordinário, assim dimensionou a lide:
“Constato que Laudelino Lima Melo e sua esposa, em 12⁄outubro⁄2002, contrataram vender a Jean Carlo Costa Lima e esposa o imóvel de matrícula 1.079 (fl. 20⁄22). Tomando ciência de que terceiros se achavam nesse imóvel, tais adquirentes formularam protesto judicial contra a nova venda, que pediram fosse averbada no registro respectivo (fl. 15⁄18). Afirmando terem adquirido o mesmo imóvel, já registrado em seus nomes (fl. 13⁄14), os impetrantes impugnaram aquela medida acautelatória, que dizem ofender os arts. 1.228 e 869 do Código de Processo Civil, além do art. 5º, XXI, da Constituição Federal (fl. 5⁄7).
Apesar de que, por contrato posterior (fl. 12) ao visto à fl. 20⁄22, os impetrantes tenham adquirido o imóvel em disputa (fl. 13⁄14), não se pode dizer ilegal a decisão acautelatória criticada nesta impetração. Com efeito, é possível aquela medida, para o que se julga com direito sobre o mesmo bem, dar a conhecer a terceiro sua intenção de fazer valer seus direitos. A medida está prevista no art. 867 do Código de Processo Civil, de modo que, diante daquele contrato exibido pelos requerentes do protesto (fl. 20⁄22), era viável a providência aqui criticada, deferida pelo magistrado (fl. 19)” – (fl. 96⁄97).
Data venia, não é assim.
Duas sendo as promessas de compra e venda sobre o mesmo imóvel, nada importa qual a respectiva ordem cronológica; produz efeitos aquela que foi inscrita no Ofício Imobiliário, não podendo o outro promitente comprador averbar na matrícula do imóvel a pretensão que possa ter contra o promitente vendedor.
Voto, por isso, no sentido de dar provimento ao recurso ordinário para cassar a decisão que, nos autos de ação cautelar de protesto de alienação de bens, autorizou a respectiva averbação no Registro de Imóveis.

Fonte:
PASSARELLI, Luciano Lopes. STJ reafirma princípio da prioridade. Luciano Passarelli, jul. 2010. Disponível em: < http://lucianopassarelli.wordpress.com/2010/08/18/stj-reafirma-principio-da-prioridade/ >. Acesso em: 23 ago. 2010.

Publicado em agosto 18, 2010 por Luciano Passarelli

Postado por Sancho Neto

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Outorga Uxória ou Marital



Outorga Uxória ou Marital

Quando um dos cônjuges quiser oferecer uma fiança a terceiros, inevitavelmente, deverá ter a autorização formal do outro cônjuge. É que a fiança, diferente do aval, implica na solidariedade, assim, se não existir esta autorização, juridicamente chamada de outorga uxória ou marital, a fiança poderá ser anulada porque não contemplada com os requisitos primários de sua natureza.
Também nenhum dos cônjuges poderá vender ou onerar bens imóveis de sua propriedade, ou de propriedade do casal, sem a competente outorga uxória ou marital. Ainda que o regime de casamento seja de Separação de Bens, a autorização do cônjuge é necessária. O legislador quando criou a norma estabelecendo esta relação de dependência para os atos de vida privada de cada um visou o equilíbrio do padrão de vida do casal não admitindo que, inesperadamente, qualquer dos cônjuges possa mudar radicalmente sua situação econômico-financeira em prejuízo até do relacionamento familiar.
Constituição Federal
Art. 226 - § 5º - Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher".
Código Civil
Art. 235 - O marido não pode, sem consentimento da mulher, qualquer que seja o regime de bens:
III - Prestar fiança. (art. 178 § 9 º, n. I, "b" e 263, X).


Entretanto, situações existem em que um dos cônjuges, injustificadamente, ou até sem atentar para a verdadeira necessidade existente, obsta a venda de patrimônio imóvel do casal, ou mesmo patrimônio imóvel que só pertence ao outro cônjuge, com o intuito apenas de dificultar a relação familiar ou para não ver reduzido o seu nível de conforto e luxo. Para estes casos há a possibilidade do cônjuge prejudicado pela falta de autorização do outro, requerer ao Juiz competente o Suprimento Judicial da Outorga Uxória ou Marital.
Código Civil:
Art. 237. Cabe ao juiz suprir a outorga da mulher, quando esta a denegue sem motivo justo, ou lhe seja impossível dá-la (arts. 235, 238 e 239].
Art. 238. 0 suprimento judicial da outorga autoriza o ato do marido, mas não obriga os bens próprios da mulher (arts. 247, parágrafo único, 269, 274 e 275).
Art. 239. A anulação dos atos do marido praticados sem outorga da mulher, ou sem suprimento do juiz, só poderá ser demandada por ela, ou seus herdeiros (art. 178, § 9º, I, a, e II).
Importa salientar que a outorga, neste caso, em razão da Constituição Federal que estabelece a igualdade de direitos e obrigações, vale tanto para o marido quanto para a mulher.
Isto quer dizer que havendo desencontro nos interesses do casal com relação até à venda de um imóvel, aquele que sentir-se prejudicado pode requerer a prestação jurisdicional para sanar a dificuldade, ou seja, pode requerer ao Juiz que o autorize a fazer a venda que o outro cônjuge não autorizou.
O Juiz, em situações como estas examinará as razões e argumentos de um e outro para somente depois de formar sua convicção pessoal a respeito, definir o limite do direito de cada qual, concedendo ou não o Suprimento da Outorga Uxória ou Marital para venda ou promessa de venda de bem imóvel.
Exatamente com observação nos efeitos dos atos pessoais de cada cônjuge é que a lei estabelece que quando um dos cônjuges demanda na justiça matéria que envolve bens ou direito real, o outro cônjuge é obrigado a figurar da demanda como co-réu ou co-autor.
Enfim, tudo gira em defesa do casamento e do bom relacionamento entre marido e mulher, a Lei não visa somente a proteção dos cônjuges como pessoas, a quem o Estado tem o dever de oferecer segurança, mas visa, especialmente, a defesa do casamento por entender que é do casamento que origina a família e esta é a célula mais importante de todo o complexo social, moral e político de uma nação.

Postado por Sancho Neto
Fonte: Juris Way.

domingo, 8 de agosto de 2010

IRIB Responde: É possível o registro de doação que contempla nascituro?

 

Prática registral

Um tema ainda bastante questionado é a doação que contempla nascituro.
A Consultoria do IRIB já se manifestou acerca deste assunto, por meio de excelente resposta dada pelo registrador imobiliário aposentado e autor de várias obras na área registral, Ulysses da Silva.
Confira abaixo a pergunta enviada ao IRIB e a resposta encaminhada ao associado:
Doação – nascituro. Registro – possibilidade.
P - Tenho uma escritura de doação a nascituro para registro e gostaria de saber se não haverá necessidade de aguardar o nascimento para efetivação deste. Entendo que o nascituro não possui personalidade jurídica. Assim, enquanto não ocorrer o nascimento com vida, impossível o registro. Certo? Se o nascituro não nascer com vida, como ficará a parte dele na doação? Será dividida aos demais ou retornará ao doador?
R - Nos termos do art. 542 do CC, a doação feita ao nascituro valerá, sendo aceita pelo seu representante legal, mas – acrescentam os doutrinadores – sob condição suspensiva, o que significa dizer que, a validade da liberalidade está condicionada ao nascimento com vida do donatário. Se nascer morto, caducará. A questão do registro é outro ponto a esclarecer. Supondo que a doação tenha sido feita exclusivamente ao nascituro, a sugestão é efetuar o registro após o nascimento, mediante a apresentação de certidão de nascimento. Se, todavia, a doação for feita a diversas pessoas, entre as quais aquela que ainda se encontra no ventre da mãe, o ideal é efetuar o registro em nome dos nascidos, esclarecendo qual a parte ideal de cada um, e que também foi contemplado pelos doadores um nascituro com idêntica parte ideal, cujo registro será feito oportunamente.
A propósito, o que se discute em relação ao nascituro não é se ele possui ou não personalidade jurídica, mas, sim, personalidade civil.
Veja o artigo abaixo, que extraí de trabalho meu:

O DIREITO DO NASCITURO
Quando o Código Civil de 2002 estabelece, logo no art. 1.º, que toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil, ele mantém a norma contida no art. 2.º do Código de 1916. Substitui, porém, os termos “homem” por “pessoa” e “obrigações” por deveres, antes adotados, o que faz acertadamente, especialmente quanto ao primeiro vocábulo, cujo sentido é extensivo às pessoas jurídicas e outras entidades.
Até aí nenhuma novidade. Emerge, entretanto, questão interessante, que transcende o campo do direito, ao afirmar, em seguida, o legislador, no art. 2.º, que a personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida, mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro. E não é difícil perceber que a razão principal de se levantar a questão em apreço reside na distinção estabelecida entre o ser incapaz, que ainda se encontra no ventre da mãe, chamado de nascituro, e o ser capaz que vem ao mundo exterior com vida, ou, em outras palavras, que sobrevive ao parto e é agraciado com a personalidade civil.
É certo que nascer vivo tem vários significados alinhados com o sentido dado pelo Código Civil. Entre eles, destacamos: vir ao mundo; vir à luz; começar a ter vida exterior. Mas, princípio ou origem também é definição lógica de nascer, afinada, perfeitamente, com a tese, aceita em todos os campos do conhecimento humano, de que a vida começa da concepção e o feto já é um ser ou, em outras palavras, uma pessoa, embora em fase de gestação. Aliás, a própria lei aceita como verdadeira, embora relutantemente, a apontada tese, quando admite, implicitamente, no citado art. 2.º, que a existência da pessoa precede a concessão da personalidade civil.
É de se admitir, contudo, que a distinção em apreço é estabelecida pelo direito civil com a finalidade precípua de definir direitos relacionados com bens materiais, exteriores ao mundo no qual está encerrado o nascituro. Mais precisamente, para efeito de sucessão hereditária e eventual atribuição de legados.
Assim acontece, por exemplo, quando o Código Civil cuida da vocação hereditária, dispondo, no art. 1.798, que se legitimam a suceder as pessoas nascidas ou já concebidas no momento da abertura da sucessão. Também aqui o legislador não faz nenhuma distinção entre pessoa nascida e pessoa já concebida, mas, drasticamente, anula o direito do nascituro se não adquirir a personalidade civil, ou seja, se não sobreviver ao parto e não estiver vivo no momento da abertura da sucessão, como consta do art. 1.799, inciso I.
Seguindo a mesma linha e confirmando o enunciado, acrescenta o § 3.º do art. 1.800 que, nascendo com vida o herdeiro esperado, ser-lhe-á deferida a sucessão, com os frutos e rendimentos relativos à deixa, a partir da morte do testador. Claro está, no teor desse dispositivo legal, que o direito do nascituro foi preservado desde a morte do testador, mas somente lhe será deferida a sucessão e atribuídos, consequentemente, os frutos e rendimentos dela decorrentes, se nascer com vida.
A propósito, Zeno Veloso, Professor de Direito Civil na Universidade Federal do Pará e de Direito Civil e Direito Constitucional Aplicado na Universidade da Amazônia, ao comentar o art. 1.798 (pág. 1612) na primeira edição de o “NOVO CÓDIGO CIVIL COMENTADO”, sob a coordenação de Ricardo Fiúza, publicado pela Editora Saraiva em 2002, afirma que:
“O herdeiro, até por imperativo lógico, precisa existir quando morre o hereditando, tem de sobreviver ao falecido”.
E acrescenta tratar-se de princípio adotado na generalidade das legislações, citando, como exemplos, os Códigos Civis francês, italiano, português, suíço, chileno, argentino e mexicano.
Como se observa, os direitos do nascituro à herança, assim como a aquisição de sua personalidade civil, estão subordinados a uma condição de natureza suspensiva, o que nos leva a outras considerações.
Para a personalidade, atributo natural de cada pessoa, existem vários sentidos: caráter ou qualidade do que é pessoal; pessoalidade; o que determina a individualidade duma pessoa moral; o elemento estável da conduta de uma pessoa; sua maneira habitual de ser; aquilo que a distingue de outra; traços típicos, originalidade. Mas, é a psicologia que nos apresenta conceito mais científico. Para ela, personalidade é a organização constituída por todas as características cognitivas, afetivas, volitivas e físicas de um indivíduo.
Ao discorrer sobre os direitos da personalidade, qualificando-os de subjetivos, Sílvio Rodrigues, no capítulo III, primeiro volume de sua obra “Direito Civil” (parte geral), 34.ª edição, publicada pela Editora Saraiva, realça aqueles que são inerentes à pessoa humana e, portanto, a ela ligados de maneira perpétua e permanente. E acrescenta “não se podendo conceber um indivíduo que não tenha direito à vida, à liberdade física ou intelectual, ao seu nome, ao seu corpo, à sua imagem e àquilo que ele crê ser sua honra”. Tais são, no entender do autor, os chamados direitos da personalidade, que saem da órbita patrimonial e são intransmissíveis, imprescritíveis e irrenunciáveis.
É, compreensível, pois, haver o atual Código Civil dedicado o Capítulo II, composto de 11 artigos sem precedentes no Código anterior, exclusivamente aos direitos da personalidade. Entre eles, citaremos o de número 11, confirmando a lição de Sílvio Rodrigues, segundo o qual: “Com exceção dos casos previstos em lei, os direitos da personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária”.
Considerando os argumentos insertos na exposição até aqui feita, podemos dizer que o nascituro possui personalidade? Há quem negue peremptoriamente com apoio no entendimento de que somos produto do meio, ou seja, do lugar onde vivemos, de nosso lar, de nossa educação, formação religiosa, convivência com familiares e amigos, papel exercido na sociedade, etc. Esquecem, porém, os que assim pensam, que o meio não é o único fator importante no condicionamento do indivíduo. Existe outro, fundamental na formação física e mental, que é a herança genética de cada um. É admissível, assim, que o nascituro já tenha personalidade, embora em gestação, como ele próprio. Incorre, aliás, em sério equívoco quem imaginar que a personalidade já se encontra formada no momento do nascimento da pessoa. Por muitos anos, ela ainda vai se desenvolver, seguindo as tendências determinadas pela combinação de genes legados por seus ancestrais e sob influência do meio.
Personalidade civil é outra coisa. Não se confunde, portanto, com atributo natural inerente ao ser humano ou com caráter, qualidade pessoal. Ela, a civil, é sem dúvida, um direito de toda pessoa, quando nasce com vida, mas não deixa de ser uma atribuição conferida por lei, porque assim determina a lógica da ordem jurídica. Podemos conceituá-la como aptidão ou capacidade para exercer direitos e contrair obrigações. Isso significa que, mal nascida, a pessoa natural já é considerada capaz de direitos e deveres, como consta do art. 1.º do Código Civil, apesar de não ter a mínima noção deles e, muito menos, condição de administrá-los. Tentando atenuar a contradição observada, esclarece o legislador, no art. 3.º, que são absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil os menores de 16 anos e os deficientes mentais que não puderem exprimir a sua vontade.
A análise, despida da lógica jurídica, desse ponto, nos leva à convicção de que a personalidade civil, da qual decorre a capacidade para gerir direitos e deveres, a rigor, também evolui, uma vez que a pessoa natural vai adquirir consciência deles gradativamente até completar a maioridade, quando, então, torna-se realmente capaz, libertando-se da representação ou assistência dos pais.
E agora? É justo negar ao nascituro direito à personalidade civil? Por que? Porque não tem nome? Qual a razão de lhe atribuirmos direitos objetivos a bens materiais, impondo, como condição, que nasça com vida, sob pena de os retirarmos? Há diferença significativa entre os direitos do feto e os concedidos a uma criança que nasceu, viveu algumas horas e veio a falecer? Como seria se não fosse retirado o direito à sucessão do ser no ventre da mãe, que sobreviveu ao autor da herança, mas não chegou a ver a luz do dia?
Vejamos até onde nos leva essa especulação: imaginemos uma senhora, com três filhos, grávida de nove meses, que começa a sentir os primeiros sinais do parto. Seu marido, ansioso, nervoso, apressado, coloca-a no carro e sai em disparada. Chove muito e sua visão está prejudicada. Ao fazer uma curva, o carro derrapa e choca-se violentamente com um muro. Um motorista vê o acidente, pára e chama o resgate. O marido está morto e a mulher falece ao dar entrada no hospital. A hora de sua morte é registrada. Por um milagre, a criança ainda vive. Seu coração, enfraquecido, ainda bate. Os médicos fazem uma cesariana, mas, em virtude da demora, não conseguem retirá-la com vida.
A situação é triste. O casal morto deixou três filhos menores, que, provavelmente, irão viver com os avós maternos, ainda vivos. De acordo com o nosso direito, eles, os filhos vivos, herdarão todos os bens de seus pais, na proporção de um terço para cada um, negando-se acesso à herança do nascituro, porque veio morto ao mundo e não adquiriu personalidade civil.
Embora o caso relatado seja fruto da imaginação, aqui colocado apenas com a finalidade de ilustrar a matéria focalizada, não é impossível a existência de situações reais semelhantes.
Suponhamos, agora, apenas para exercitar a imaginação, que os fatos narrados aconteceram em um país no qual os nascituros são considerados capazes de herdar, como aqui, mas lá a lei não lhes impõe a condição suspensiva que condiciona a atribuição dos bens herdados ao nascimento com vida. Também lá, como aqui (ver arts. 1.788 e 1.784 do atual Código Civil), a sucessão é aberta no exato momento do falecimento do autor da herança, a qual é, desde logo, transmitida aos herdeiros. Assim supondo, os bens do casal seriam atribuídos aos quatro filhos, três vivos e um morto, na proporção de um quarto para cada um, a este último porque sobreviveu ao óbito da mãe. Mas, o caso não se encerraria aí, em face da abertura de outra sucessão, ou seja da criança nascida morta. Para quem iria a sua quarta parte nos bens do casal falecido? Seus três irmãos? Não, porque seriam considerados colaterais. Para os seus avós, se ainda vivos? Sim, como herdeiros ascendentes.
Igualmente, os fatos aqui narrados são fictícios, mas, diversamente do ocorrido no primeiro caso, não é possível a existência de situações semelhantes, quanto ao rumo tomado pela sucessão, simplesmente porque a ordem jurídica assim não entende. Servem, contudo, as suposições feitas, para demonstrar que ainda é grande a distância entre os valores naturais e a norma que rege o direito material.

Fonte: Boletim Eletrônico do - IRIB.

Postado por Sancho Neto.

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Dúvida - PMCMV

Edição nº 192/2009 Brasília - DF, terça-feira, 13 de outubro de 2009

Vara de Registros Públicos do DF

EXPEDIENTE DO DIA 06 DE OUTUBRO DE 2009
Juiz de Direito: Ricardo Norio Daitoku
Diretor de Secretaria: Rodrigo Teixeira Marrara
Para conhecimento das Partes e devidas Intimações

DECISÃO

Nº 138917-9/09 - Duvida - A: OFICIAL DO 4 OFICIO REGISTRO DE IMOVEIS DO DF. Adv(s).: DF9999999 - Sem Informacao Advogado.
R: ILHAS MAURICIO EMPREENDIMENTOS IMOBILIARIOS SA. Adv(s).: Sem Informação de Advogado. Cuida-se de procedimento administrativo instaurado em razão de dúvida suscitada pelo Oficial do 4º Registro de Imóveis do Distrito Federal questionando o real alcance do § 1º do art. 237-A da Lei n. 6.015/73, introduzida pelo art. 76 da Lei n. 11.977/09.Para tanto, alega que Real Ilhas Maurício Engenharia Ltda, invocando referido dispositivo legal, pretende recolher a título de emolumentos a quantia de R$ 355,77 para o registro de 78 contratos particulares de mútuo para construção de empreendimentos imobiliários quando o correto, em sua visão, seria o valor de R$ 27.750,06, ao argumento de que tal benefício não se aplicaria aos empreendimentos que não sejam os do Programa Minha Casa, Minha Vida.Não sendo conhecido o pedido como dúvida, requer, alternativamente, seja recebido o expediente como peça para instauração de procedimento administrativo em caráter normativo.Instado a se manifestar, o Ministério Público oficiou pelo conhecimento do pedido como consulta e que seja expedida instrução normativa com a orientação de se aplicar o art. 237-A e parágrafos, da Lei n. 6.015/73, indistintamente a qualquer incorporação imobiliária, sendo ela, ou não, oriunda do Programa Minha Casa, Minha Vida.É o relatório. Decido.A questão a ser examinada em nada se confunde com a dúvida registrária prevista no art. 198 da Lei n. 6.015/73, já que, na espécie, não se visualiza inconformismo por parte do apresentante do título em relação a eventual exigência formulada pelo ilustre Registrador.Assim, acolhendo o substancioso parecer ministerial, analiso o expediente como mera consulta. Pois bem.
Antes de tudo, convém registrar que a Lei n. 11.977/09, ao contrário do que sugere o consulente, não dispõe apenas sobre o Programa Minha Casa, Minha Vida. Tal conclusão decorre da simples leitura da ementa da referida lei. Confiram:"Dispõe sobre o Programa Minha Casa, Minha Vida - PMCMV e a regularização fundiária de assentamentos localizados em áreas urbanas; altera o Decreto-Lei no 3.365, de 21 de junho de 1941, as Leis nos 4.380, de 21 de agosto de 1964, 6.015, de 31 de dezembro de 1973, 8.036, de 11 de maio de 1990, e 10.257, de 10 de julho de 2001, e a Medida Provisória no 2.197-43, de 24 de agosto de 2001; e dá outras providências."A ementa das leis, de acordo com o art. 5º da Lei Complementar n. 95/98, destina-se a explicitar, de modo conciso e sob a forma de título, o seu objeto.Nada obstante, isso nem sempre é observado pelo legislador. A falta de rigor técnico na elaboração da Lei n. 11.977/09 se vê já na parte preliminar, pois a concisão empregada na ementa suprimiu um de seus objetos, qual seja, a obrigatoriedade de implementação do registro eletrônico nos serviços de registros públicos. Com efeito, a Lei n. 11.977/09 está estruturada em quatro capítulos, sendo que apenas a primeira destina-se ao referido Programa Minha Casa, Minha Vida. O segundo capítulo trata especificamente sobre o registro eletrônico, as custas e os emolumentos dos serviços de registros públicos. O terceiro define conceitos e traz regras e procedimentos para regularização fundiária de assentamentos urbanos. E, por fim, o quarto e último capítulo, que nos interessa em particular, alterou algumas legislações, dentre elas a Lei dos Registros Públicos. In casu, a atecnia legislativa
ultrapassou a simples ementa, pois, não se tratando de codificação, o melhor seria dispor de objetos distintos em leis igualmente distintas, como, aliás, recomenda o § 1º do art. 7ª da Lei Complementar n. 95/98.De todo modo, a aplicação da lei em comento reclama uma interpretação lógica, a fim de "apurar o sentido e a finalidade da norma, a intenção do legislador, por meio de raciocínios lógicos, com abandono dos elementos puramente verbais. O intérprete procura extrair as várias interpretações possíveis, eliminando as que possam parecer absurdas e que levem a um resultado contraditório em relação a outros preceitos, para descobrir a razão de ser das leis." Tendo isso em mente, observa-se que a Lei n. 11.977/09 quando quis distinguir o beneficiário assim o fez, como se vê como nos seguintes exemplos:"Art. 42. As custas e os emolumentos devidos pelos atos de abertura de matrícula, registro de incorporação, parcelamento do solo, averbação de construção, instituição de condomínio, registro da carta de habite-se e demais atos referentes à construção de empreendimentos no âmbito do PMCMV serão reduzidos em: I - 90% (noventa por cento) para a construção de unidades habitacionais de até R$ 60.000,00 (sessenta mil reais); II - 80% (oitenta por cento) para a construção de unidades habitacionais de R$ 60.000,01 (sessenta mil reais e um centavo) a R$ 80.000,00 (oitenta mil reais); e III - 75% (setenta e cinco por cento) para a construção de unidades habitacionais de R$ 80.000,01 (oitenta mil reais e um centavo) a R$ 130.000,00 (cento e trinta mil reais)." "Art. 43. Não serão devidas custas e emolumentos referentes a escritura pública, quando esta for exigida, ao registro da alienação de imóvel e de correspondentes garantias reais, e aos demais atos relativos ao primeiro imóvel residencial adquirido ou financiado pelo beneficiário com renda familiar mensal de até 3 (três) salários mínimos. Parágrafo único. As custas e emolumentos de que trata o caput, no âmbito do PMCMV, serão reduzidos em: I - 80% (oitenta por cento), quando os imóveis residenciais forem destinados a beneficiário com renda familiar mensal superior a 6 (seis) e até 10 (dez) salários mínimos; e II - 90% (noventa por cento), quando os imóveis residenciais forem destinados a beneficiário com renda familiar mensal superior a 3 (três) e igual ou inferior a 6 (seis) salários mínimos."Ora, a Lei n. 11.977/09, além de tratar do programa destinado a famílias de baixa ou média renda, cuidou também da regularização fundiária de interesse específico, que ocorre justamente quando não estiver caracterizado o interesse social. Confiram:"Art. 47. Para efeitos da regularização fundiária de assentamentos urbanos, consideram-se:
(omissis)VII - regularização fundiária de interesse social: regularização fundiária de assentamentos irregulares ocupados, predominantemente, por população de baixa renda, nos casos: a) em que tenham sido preenchidos os requisitos para usucapião ou concessão de uso especial para fins de moradia; b) de imóveis situados em ZEIS; ou c) de áreas da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios declaradas de interesse para implantação de projetos de regularização fundiária de interesse social; VIII - regularização fundiária de interesse específico:
regularização fundiária quando não caracterizado o interesse social nos termos do inciso VII." Vê-se, pois, que a lei procura, indistintamente, a regularização fundiária da população, não distinguindo se ela é de baixa renda ou não. Nesse diapasão, tenho por equivocado o entendimento esposado no precedente da Corregedoria-Geral de Justiça do Rio de Janeiro, pois fundado na falsa premissa de que a Lei n. 11.977/09 trataria somente "da situação específica das pessoas que se enquadram no perfil dos beneficiários do Programa Minha Casa, Minha Vida". De outro giro, assiste razão ao douto órgão ministerial quando afirma que a "interpretação deve ser a mais favorável à redução de custos para os apresentantes dos títulos".Na interpretação das leis, toda construção legislativa deve ser favorável ao cidadão. Nem se alegue que o interessado aqui é pessoa jurídica e não pessoa física, pois se a lei não distingue não cabe ao intérprete distinguir. Aliás, não são poucas as leis que segue a lógica da
menor onerosidade. Com efeito, no Código Civil temos:"Art. 423. Quando houver no contrato de adesão cláusulas ambíguas ou contraditórias, dever-se-á adotar a interpretação mais favorável ao aderente.""Art. 819. A fiança dar-se-á por escrito, e não admite interpretação
extensiva."No Código Tributário Nacional:"Art. 111. Interpreta-se literalmente a legislação tributária que disponha sobre:I - suspensão ou exclusão do crédito tributário;II - outorga de isenção;III - dispensa do cumprimento de obrigações tributárias acessórias.""Art. 112. A lei tributária que define infrações, ou lhe comina penalidades, interpreta-se da maneira mais favorável o acusado, em caso de dúvida quanto:I - à capitulação legal do fato;II - à natureza ou às circunstâncias materiais do fato, ou à natureza ou extensão dos seus efeitos;III - à autoria, imputabilidade, ou punibilidade;IV - à natureza da penalidade aplicável, ou à sua graduação."No Código de Processo Civil:"Art. 620. Quando por vários meios o credor puder promover a execução, o juiz mandará que se faça pelo modo menos gravoso para o devedor."No Código de Defesa do Consumidor:"Art. 47. As cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor."Portanto, não vejo razão para ser diferente aqui só por se tratar de uma construtora.A matéria em discussão é idêntica à que foi submetida a este Juízo nos autos n° 131377-5/09. Assim, da mesma forma como decidido no referido processo, determino o envio dos autos à Corregedoria do eg. Tribunal de Justiça do Distrito Federal para conhecimento.

Postado por Sancho Neto

terça-feira, 3 de agosto de 2010

Direito Civil na veia - momento relax - JUS NAVEGAND,

Jus Navigandi

Boletim Temático - Civil Geral
Jus Navigandi - http://jus.uol.com.br
Período: 06/07/2010 a 03/08/2010

Direito de Família

Responsabilidade Civil

Direito das Sucessões

Direito Civil

Direito das Coisas

Gratuidades: a mágica rende boa literatura, não instituições sólidas

Opinião

Sérgio Jacomino *

A questão das gratuidades, que se difundiu pela sociedade brasileira como uma praga embalada por boas intenções, apresenta seus deletérios efeitos no emperramento das iniciativas que a sua criação visara justamente impulsionar.

No fundo, trata-se de uma equação muito singela e a melhor expressão de sua ocorrência foi posta em circulação por James Carville na célebre campanha de Clinton: it´s economy, stupid!

Neste caldo de cultura macunaímica, onde os recursos parecem brotar espontâneos como frutos na bananeira, não se consegue conceber as políticas públicas como um fenômeno causal, resultado de um cálculo político-econômico bem balanceado. Tudo parece se materializar magicamente, como um epifenômeno da natureza, emanação e virtude essencial da singular nacionalidade da providência.

À parte, por suposto, a esperteza dos que se beneficiam diretamente dessa fancaria e do aproveitamento interessado da propaganda política, o que resta é uma alarmante ingenuidade daqueles a quem se encarregou a gestão da coisa pública.

A mágica rende boa literatura, não instituições sólidas e sadias.

Ao impor a certos setores da cadeia produtiva o ônus de suportar as políticas públicas, o máximo que se obtém é uma capitulação forçada pela força da pena. Nasce uma resistência surda, inabalável, indestrutível, fundada no mais elementar sentido de Justiça.

Não me dou ao trabalho de expor aqui, em detalhes, de que maneira todos os que suportam essa injusta carga de trabalho compulsório e gracioso se furtam ao encargo, criando obstáculos que não são ideológicos, como estupidamente se pensa ou se quis, mas o resultado de um cálculo econômico muito singelo: sempre resulta ser mais econômico deixar de aderir à onda, criando obstáculos como um penedo recalcitrante, do que viabilizar as políticas que, essencialmente, são boas e visam a superar as graves desigualdades sociais.


Trago à reflexão de meus escassos leitores dois exemplos muito impressivos.

O primeiro é a diatribe instaurada entre as forças políticas que se movimentam neste ano peculiar do calendário político e a Justiça do Rio de Raneiro. Trata-se da polêmica decisão do Corregedor-Geral da Justiça do Estado que se impôs em face dos acometimentos político-partidários, buscando extrair do ordenamento suas óbvias conclusões.

O cerne da questão é a gratuidade imposta para a prática dos atos de registro.

O segundo é a decisão da Primeira Vara de Registros Públicos de São Paulo que encara, corajosamente, a grave questão da assistência judiciária gratuita, o que está inviabilizando o funcionamento das varas especializadas em ações de usucapião e frustrando milhares de beneficiários do favor legal.

Em ambos os casos, vê-se o enorme desperdício de energia, tempo e recursos.

No caso do Rio de Janeiro, advinha-se o desenlace da representação endereçada ao Conselho Nacional de Justiça. A questão está “judicializada” e o ilustre Conselho tem se abstido de julgar casos que-tais.

Já no segundo, espera-se a interposição de recurso cujo desenlace poderá influir, ou não, na agilização e modernização do aparelho judiciário, que se vê desfalcado de quadros auxiliares importantes e competentes pela depauperação sistemática.

O Rio de Janeiro continua sendo…

Para se entender a polêmica que se estabeleceu em torno das gratuidades plenárias é preciso partir do cerne: Lei 11.977, de 7 de julho de 2009, que instituiu o Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV).

Em janeiro deste ano, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro publicou o Aviso (CGJ 84/2010), endereçado a todos os notários e registradores do Estado, advertindo-os para que se abstivessem de aplicar a legislação federal que regula a cobrança de custas e emolumentos no Programa Minha Casa – Minha Vida com base em parecer do magistrado Alexandre de Carvalho Mesquita, Juiz de Direito Auxiliar da Corregedoria-Geral daquele Estado.

O R. parecer foi exarado no Processo Administrativo 2009/077312, cujo inteiro teor pode ser conhecido aqui.

O parecer é preciso. Enfrentando a falsa questão da declaração de inconstitucionalidade em procedimentos administrativos, conclui, com base em precedentes do Supremo, que, dada a natureza tributária dos emolumentos e em face do fato de a delegação da titularidade da atividade notarial e registral incumbir aos Estados, “os emolumentos não podem ser objeto de isenção por parte da União Federal”. E conclui com precisão certeira: é vedado a União instituir isenções de tributos da competência dos Estados.

Além disso, conclui o magistrado, há violação do disposto no parágrafo 2º do art. 112 da Constituição Estadual quando lei estadual outorga gratuidades no serviço público sem indicação da fonte de custeio.

Posteriormente, em maio deste ano, a União Federal ingressou com ação civil pública, em face do Estado do Rio de Janeiro (processo nº 2010.51.01.006888-3), objetivando anular o já citado Aviso CGJ 84/2010. A ação tem curso pela 16ª Vara Federal do Rio de Janeiro, com liminar indeferida.

Ato contínuo, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) foi instado, ante o ofício expedido pelo Juiz Federal, Dr. Wilney Magno de Azevedo Silva, istaurando o Pedido de Providências nº 0004084-25.2010.2.00.0000, em relação ao qual a Corregedoria-Geral de Justiça prestou as informações que se lêem abaixo.

Por fim, acendendo ainda mais o debate, em 26 de julho de 2010, o Governador Sérgio Cabral sancionou a Lei 5.788, de 19 de julho de 2010, que estabelece que os Registros e Notas de todo o Estado do Rio de Janeiro devem praticar as malfadadas gratuidades e promover descontos para a prática dos atos próprios de notários e registradores no âmbito do “Programa Minha Casa Minha Vida”. A dita lei estaria acoimada dos mesmos vícios em face das Constituições Federal e Estadual.

Aguarda-se uma decisão do CNJ para os próximos dias. O órgão já pacificou o entendimento no sentido de não se apreciar matéria judicializada, com o fito de evitar decisões conflitantes (Nesse sentido: CNJ – RD 200710000014188 – Rel. Cons. Paulo Lôbo – 80ª Sessão – j. 17.03.2009 – DJU 06.04.2009CNJ – PCA 200810000030800 Rel. Cons. Nelson Tomaz Braga – 88ª sessão – j.18/08/009 – DJU nº 161/2009 em 24/08/2009 p. 04).

Tomara o Min. Gilson Dipp aproveite o ensejo para veicular a informação, que o próprio CNJ detém, de que a imensa maioria dos cartórios brasileiros é composta de unidades modestas que lutam, bravamente, para desempenhar com dignidade seu nobre mister.

Panóplia

Lei 11.977, de 7 de julho de 2009. Lei que estabelece gratuidades e descontos para a prática de atos notariais e registrais.
Processo Administrativo 2009/077312, da Corregedoria-Geral da Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Parecer do magistrado Alexandre de Carvalho Mesquita seguido do Aviso CGJ 84/2010 (DOE de 28.1.2010).
Pedido de Providências nº 0004084-25.2010.2.00.0000. CNJ
Parecer CGJRJ – CNJ – PMCMV. Informações prestadas ao CNJ pela CGJRJ.
Lei 5.788, de 19 de julho de 2010. Gratuidades e descontos nos atos de registros e notas.
Gratuidades plenárias e o jogo democrático. Comentário acerca da resposta à Consulta 301/2009, da Secretaria de Estado da Fazenda de Minas Gerais, acerca das isenções concedidas pela Lei 11.977, de 7 de julho de 2009.

* Sérgio Jacomino é o Quinto Oficial de Registro de Imóveis da cidade de São Paulo, graduado em Direito pela Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo (1991), Doutorado em Direito Civil pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho – UNESP (2005) e Especialista em Direito Registral pela Universidade de Córdoba, Espanha. Atualmente é reitor da UNIREGISTRAL, Universidade do Registro de Imóveis e editor das publicações oficiais e Diretor de Publicidade, Divulgação e Mídia Digital do IRIB.

Fonte: Observatório do Registro
(Texto extraído do blogue Observatório do Registro)

Postado por Sancho Neto