A comunicação dos aquestos, nos casos de aquisição de bens imóveis na constância de casamento celebrado sob o regime da separação legal de bens (art. 1.641 do CC) é presumida para todos os efeitos registrais.
Esse tema tem rendido uma interminável controvérsia – especialmente com o advento do novo código civil. Explica-se.
Tanto no regime anterior, quanto no atual, determinadas pessoas têm limitada a liberdade de escolha do regime patrimonial que vigerá em seus respectivos casamentos.

Regime de exceção – casos em que se aplica

O regime patrimonial que a Lei impõe aos nubentes é o chamado regime da separação obrigatória de bens (CC, art. 1641). Esse regime, nos termos do novo código, é imposto:
  1. aos que se casaram em infração às causas suspensivas do casamento (CC, art. 1.523);
  2. aos maiores de 60 anos (CC, art. 1641, II) e
  3. aos menores que se casam com autorização judicial (CC, art. 1641, III)
A doutrina sempre buscou discernir a diferença fundamental no regime dos que se casam pela separação obrigatória da convencional. Há, efetivamente, uma diferença?
A resposta, evidentemente, seria não, não há.
O problema todo se originou da disposição legal contida no art. 259 do código revogado que fez surgir, na prática, dois regimes de separação de bens:
Art. 259. Embora o regime não seja o da comunhão de bens, prevalecerão, no silêncio do contrato, os princípios dela, quanto à comunicação dos adquiridos na constância do casamento.
As conclusões que se retiram do citado dispositivo são estas:
  1. Aplicado o dispositivo ao regime da separação convencional de bens a regra acarretaria a comunhão dos aquestos, caso não houvesse a pactuação prévia, por escritura pública, prevendo expressamente a exclusão (a) dos bens adquiridos anteriormente ao casamento ou (b) dos que viessem a ser adquiridos pelos cônjuges  (Nesse sentido, vide AC 990.10.017.203-4, abaixo comentada);
  2. No caso do regime da separação legal ou obrigatória de bens, o mesmo entendimento se impunha;
Em face desse panorama legal, o Supremo Tribunal Federal editou a  conhecida Súmula 377:
No regime da separação obrigatória de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento.
Mas o problema hoje enfrentado pelos juristas reside no fato de que o referido art. 259 foi revogado pelo novo diploma civil e não há qualquer dispositivo que lhe corresponda na nova ordem civil.
Nesse caso, como ficamos? A Súmula 377 continua em vigor e produzindo todos os seus efeitos?
A doutrina controverte. Não é o nosso foco reproduzir aqui as abalizadas opiniões que se orientam num ou noutro sentido.
Calha destacar que é bastante robusta a tese da vigência da Súmula 377, fortalecida pela exegese histórica do Projeto de Código Civil. O artigo 1.641 do Projeto tinha a seguinte redação:
É obrigatório o regime da separação de bens no casamento, sem a comunhão de aquestos:
A parte final foi suprimida pela Câmara dos deputados com a seguinte justificativa:
“em se tratando de regime da separação de bens, os aquestos provenientes do esforço comum devem se comunicar, em exegese que se afeiçoa à evolução do pensamento jurídico e repudia o enriquecimento sem causa, estando sumulada pelo Supremo Tribunal Federal (Súmula 377)”. (DA SILVA, Regina Beatriz Tavares (Org). Código Civil comentado. 6 ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 1.791).

Jurisprudência bandeirante

Para nós, registradores, importa verificar que o Conselho Superior da Magistratura mantém, até o presente momento, o entendimento no sentido de que a Súmula 377 do STF continua em pleno vigor – ao menos no que toca aos casamentos celebrados antes da vigência no novo código.
Em curiosa decisão, o C. Conselho Superior da Magistratura de São Paulo julgou que a Súmula 377 do STF se aplicaria mesmo aos casos em que o regime de bens adotado fosse o da separação convencional de bens. Trata-se de AC  990.10.017.203-4, cuja ementa está vazada nos seguintes termos:
REGISTRO DE IMÓVEIS – Doação com reserva de usufruto de imóvel de propriedade do doador casado anteriormente ao novo Código Civil pelo regime da Separação total de bens – Discussão sobre a incidência da Súmula n. 377 do E. Supremo Tribunal Federal – Necessidade de abertura do inventário da falecida esposa do doador para elucidar a questão – Dúvida procedente – Recurso não provido.
Discutia-se a aplicação da regra em casamento celebrados anteriormente ao novo código Civil. Colhe-se do julgado bons argumentos e a indicação de vários precedentes do mesmo Conselho:
Desse modo, ainda que a comunhão de aquestos não se verificasse na vigência do Código Civil de 2003 – o que é controvertido na doutrina, ao contrário do afirmado nas razões de recurso -, o certo é que o casamento celebrado pelo apelante não se sujeitaria à nova regra, nos exatos termos do art. 2.039 do Código Civil.
Desse modo, se o casamento antecedeu o Código Civil em vigor, a controvérsia sobre os bens adquiridos onerosamente durante o matrimônio só poderá ser solucionada nos autos de inventário, ou mediante a comprovação de que o pacto antenupcial excluiu expressamente a comunicação dos aquestos, como exigia o art. 259 do Código Civil de 1916.
A jurisprudência desse E. Conselho está consolidada no sentido da inadmissibilidade do registro de atos negociais praticados por pessoas casadas pelo regime da separação de bens antes do Código Civil de 2002, sem prévia decisão a respeito dos aquestos:
DJ-53.831-0/5 - AVARÉ- Registro de Imóveis – Dúvida – Escritura de venda e compra – Alienante viúva que adquiriu o imóvel na constância do casamento – Regime da separação obrigatória de bens – Comunhão dos aqüestos mesmo no regime matrimonial de separação obrigatória de bens (Súmula 377 da Suprema Corte) – Necessidade de partilha do bem – Suposta incomunicabilidade do imóvel por não ter o cônjuge falecido contribuído para sua aquisição deve ser debatida e reconhecida em sede jurisdicional – Dúvida procedente – Apelação não provida”.
DJ-67.161-0/4 - CAPITAL- CASAMENTO — Regime de separação legal de aqüestos. Aplicação da Súmula 377 do STF e art. 259 do Código Civil. Bens comunicáveis. Inexistência de pacto antenupcial de separação absoluta de bens. Incomunicabilidade a ser resolvida no juízo do inventário. Dúvida procedente. Recurso a que se nega provimento”.
REGISTRO DE IMÓVEIS – Dúvida. Escritura pública de venda e compra de imóvel. Aquisição da nua propriedade pela mulher e do usufruto pelo marido. Regime de separação obrigatória de bens. Recusa do registro porque, em razão da comunicação dos aqüestos, o marido seria também co-titular da nua propriedade, não podendo, assim, ser usufrutuário do imóvel todo. Prova, no curso da dúvida, de que a mulher obteve o numerário destinado à compra da nua propriedade contraindo mútuo pecuniário perante terceiro, satisfazendo sua obrigação perante o mutuante com dação em pagamento de imóvel próprio, adquirido quando solteira. Sub-rogação real. Prova majorada, porém, que não pode ser apreciada neste procedimento de dúvida. Necessidade de reapresentação do título ao registrador instruído com a mencionada prova documental. Recusa do registro mantida. Recurso não provido” (Ap. n. 077.870.0/8, rel. Des. Luis de Macedo).
Do mesmo teor: Apelações Cíveis nº 62.111-0/0 e 63.914-0/2976-6/5 e 843-6/9. Assim sendo, o recurso deve ser improvido, para que seja mantida a recusa ao registro da doação.
Ainda recentemente o mesmo V. órgão decidiu ser aplicável a referida súmula para os casos de aquisição de bem imóvel por cônjuge casado pelo regime da separação obrigatória de bens. Trata-se da Ap. Civ. 990.10.094.271-9, j. 30.6.2010, DJE de 24.9.2010, São Vicente, Relator des. Marco César Müller Valente. Sua ementa é clara:
EMENTA: Registro de Imóveis. Dúvida julgada procedente. Negativa de registro de escritura pública de alienação de imóvel sem prévio inventário do cônjuge pré-morto. Regime de separação legal de bens. Imóvel adquirido na constância do casamento. Comunicação dos aquestos. Súmula 377 do Supremo Tribunal Federal. Necessidade de prévio inventário e partilha de bens do cônjuge pré-morto, para identificação dos bens que se comunicaram. Não atendimento ao princípio da continuidade. Registro inviável. Recurso não provido.
Neste acórdão o Conselho Superior da Magistratura deixa assinalado, de passagem, que é válida a doação entre cônjuges no regime da separação legal de bens.

Pequena digressão etimológica

A expressão aquestos é de boa fonte. Vejamos:
Aquesto. S.m. Bem adquirido pelo esforço do casal e não de um só dos cônjuges. (Do pref. ad~ e do lat. quaestu, ganho, lucro, proveito.
Antenor Nascentes, em seu Dicionário da Língua Portuguesa. (Rio de Janeiro: Departamento de Imprensa Nacional, 1961, 1o tomo, p. 180) registra que  a expressão advém do étimo latino (ad) quæstu.
Segundo registra o Novissimo Diccionario Latino-Portuguez (Saraiva, F.R. dos Santos. 9a. ed. 1927, p. 988): “Quæstus, us, s. ap. m. (de quærere), Cic. Ganho, lucro, proveito, renda redito. Quaestus pecuniæ. Cæs. Lucro pecuniário. Quibus omnia quæstui sunt. Sall. Que tiram lucro de tudo. Quæstui deditus. Sall. Que faz por adquirir. Medici qui quæstui serviunt. Cels. Os médicos que curam por paga. Is vel Herculi conterere quæstum possiet. (Anex.). Plaut. Este poderia dar cabo dos haveres de Hércules, i.e., é um perdulário. Corpore quæstum facere. Plaut. Liv. In quæastu sedere. Ov. Fazer vida de meretriz, prostituir-se. § Plaut. Profissão lucrativa, officio, mister § Fig. Cic. Nep. Proveito, vantagem. Ad suum quæstum esse callidum. Plaut. Sêr sagaz para os seus interesses. Nullum in eo facio quæstum quod… Cic. Não tiro proveito algum de…Autumnus Libitinæ quæstus. Hor. O outono (que dá) lucro a Libitina (i.e., á morte)”.

Fonte: http://migre.me/7OPy1  Observatório do Registro
Postado por Sancho Neto